Foi uma personalidade antes de ser uma pessoa
MargeM 173 na årea. Como é a vida do streamer que passa 50 horas por semana no Twitch. Como era a vida antes da internet? Os NFTs e os novos ladrões de arte. Wet Leg, Don L, o documentário do Kenny G. E mais.
"Acordado a noite toda com um milionário do Twitch: a solidão e a fúria das novas estrelas do rock da Internet", diz título de grande reportagem que foca em um streamer do Twitch pra mostrar como pode ser a rotina das pessoas que dedicam o tempo a produzir conteúdo na internet.
O cara em questão é Tyler Steinkamp, norte-americano de 26 anos que passa 50 horas por semana transmitindo suas atuações em games para mais de 4,6 milhões de seguidores. Ganha mais de R$ 1 milhão por mês no Twitch (com anúncios e assinaturas), além de abocanhar mais em parcerias com marcas como Nike e Doritos.
"Para uma geração criada na internet, ele se tornou maior do que um astro do rock: os fãs lhe pagam todos os meses pelo acesso e pela intimidade, que ele fornece em grandes quantidade, permitindo que quase todos os dias de sua vida sejam dissecados e criticados."
"Mas a necessidade punitiva de permanecer relevante em um mercado supersaturado também está alimentando um desgaste severo. (...) Tyler, cujo pai é negro, aguenta anos de insultos pessoais e, às vezes, abusos explicitamente racistas. E à medida que seu mundo online cresceu, seu mundo real encolheu dramaticamente. Tyler tem milhões de fãs, mas nenhum amigo; antes de passar um dia recente com um repórter do (Washington) Post, ninguém além de sua namorada e família visitava sua casa há vários anos."
Não é preciso chegar ao tamanho de Tyler pra sofrer com os efeitos de uma presença quase ininterrupta nas plataformas. O próprio Twitch criou um workshop chamado Creator Burnout.
Choque de realidade: "Embora mais de 7 milhões de pessoas façam streams no Twitch todos os meses, apenas os 3 mil principais –menos de 0,1%– ganhavam mais do que uma família americana típica, cerca de US$ 67 mil por ano. A grande maioria embolsa quase nada, transmitindo para salas de bate-papo vazias, esperando que uma única pessoa entre para assistir".
A realidade de Tyler Steinkamp é diferente da de 99,5% dos criadores, mas os efeitos que a vida quase 100% online jogam sobre as costas do cara estão se tornando muito populares em maior ou menor grau. Vale muito ler a reportagem.
“Joan Baez foi uma personalidade antes de ser inteiramente uma pessoa e, como a qualquer um a quem isso acontece, ela é, em certo sentido, a infeliz vítima do que os outros viram nela, escreveram sobre ela, queriam que ela fosse e não fosse.”
Joan Didion sobre Joan Baez (o ensaio está no livro Rastejando até Belém. Era 1966, mas na época ninguém falava em “cultura da celebridade”.
Wet Leg - Tiny Desk (Home) Concert
Espetacular dupla de duas jovens inglesas que fazem muito com muito pouco. Aqui, quatro faixas ao vivo, direto ao ponto.
Como era a vida antes da internet?
A pergunta é o que guia livro escrito pela jornalista Pamela Paul, no qual ela analisa "sensações, objetos e momentos que desapareceram com a tecnologia".
Ela "quer que entendamos que a tecnologia não é natural nem inevitável. E que pode ter nos tirado ou limitado coisas que eram boas. 'Internalizamos a mensagem da indústria de que, se não adotamos ou usamos essa tecnologia, o problema é você, não o produto. E que você é um ludita e que nega o progresso', diz Paul, que insiste que as grandes tecnológicas são, antes de tudo, um negócio: 'Será algo que foi criado para fazer um mundo melhor? Não. Temos a ingenuidade de (achar) que a tecnologia existe para nos servir. Absolutamente não. Ela está aqui para nos vender coisas''.
Na boa entrevista ao brasileiro El País, Paul nos relembra de uma das principais efeitos da internet: na rede, nada termina por completo.
Bandidos digitais: os novos ladrões de arte que vendem obras roubadas como NFTs.
"Pode não ser tão cinematográfico quanto um assalto a um museu, mas essa nova forma de roubo de arte está rapidamente se tornando uma lucrativa renda criminosa que afeta negativamente qualquer artista que poste seu trabalho online."
O professor Jorge Coli está entre aqueles que sabem escrever sobre arte de uma maneira simples e direta. Você não precisa ter doutorado em semiótica para entender o que o cara está dizendo.
"Um manto de candura parece recobrir hoje as artes. Museus e galerias tiram nota 10 de bom comportamento. Assimilaram a autocensura. As artes atuais brasileiras pouco se interrogam ou se inspiram no caos que vivemos.
A Bienal de Arte de São Paulo deste ano, que termina em poucos dias, mostra um clima bem morno, parecendo o de um convento de freiras. Não tem coerência, nem intenção crítica forte, nenhum impacto interrogador ou revelador, efeito que deveria ser o principal objetivo das bienais."
A foto acima e a que abre esta newsletter são de Dado Galdieri e ilustram a reportagem "Samba, cachaça e ovos em conserva: bares ‘pés sujos’ são a ‘essência do Rio’", publicada pelo NYT.
Leandro Sarmatz: “Com a relativa tranquilidade proporcionada pela ampla cobertura vacinal em São Paulo, saí para dançar. Os momentos de hedonismo em movimento foram talvez os melhores desde março de 2020”.
"Muitas mulheres morrem sem confessar que se arrependeram de ter filhos".
Quem diz isso é a socióloga israelense Orna Donath, em entrevista à BBC. Ela é autora do livro Mães Arrependidas: Uma Outra Visão da Maternidade. Trechos da entrevista:
"Somos criadas desde criança com a ideia de que a maternidade é a essência da nossa existência";
"Não sou contra a maternidade nem contra as mulheres que querem ter filhos. No entanto, acho que toda essa ideia de maternidade foi levada além do que é possível nas diferentes experiências de relações humanas";
"Não acredito que biologicamente exista um instinto maternal, mas o que existe é uma história social em torno do chamado instinto maternal. Ele tem sido usado para nos empurrar para a maternidade."
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Historiador e sociólogo francês Ivan Jablonka: "Temos uma oportunidade histórica de refundar o masculino".
Coisas legais por aí
Test Pressing - Virgil Abloh. O estilista, morto nesta semana, também atuava como DJ. Em 2020 ele montou esse mix muito bom que é, em parte, uma homenagem à música de Chicago, cidade natal de Abloh. (Mais: a carreira de Virgil Abloh sintetizada através das marcas com as quais ele trabalhou.)
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Listening to Kenny G. Quem é Kenny G? Que tipo de música faz Kenny G? Por que Kenny G, músico que vendeu milhões e milhões de discos, é tão odiado? Acredite: este documentário é excelente.
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Ataque dos Cães. A paisagem esparsa e monumental no interior de Montana nos anos 1920 emoldura as relações tensas e que se revelam menos por diálogos do que pelo gestual, de um caubói, (Benedict Cumberbatch), com seu irmão, a recente cunhada e o filho dela.
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Yara. Baseado na história real de uma menina de 13 anos que desaparece e é encontrada morta em uma cidadezinha na Itália em 2010. Uma promotora tenta descobrir quem é o assassino.
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The Velvet Underground. O encontro de Lou Reed com John Cale; a aproximação de Andy Warhol; a chegada de Nico; as roupas, as letras e a sonoridade crua que iam contra a contra-cultura; o envolvimento com drogas como heroína; os egos e as brigas e o derretimento final. Tudo isso em um espaço de apenas uns cinco ou seis anos. E está tudo neste doc de Todd Haynes.
Don L - Pela Boca
As músicas do rapper cearense Don L parecem feitas com uma técnica pontilhista: rimas pinçadas meticulosamente, colocadas no exato lugar, sem excessos, que se justapõem e embaralham a cabeça do ouvinte. Ele acaba de lançar o ótimo disco Roteiro Pra Aïnouz, Vol. 2.
A cidade de Nova York está processando a revista L'Officiel por não pagar freelancers.
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Os melhores filmes de 2021, segundo o graaaande John Waters.
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Com o crescimento do streaming, governos (no Brasil e no mundo) querem que as plataformas paguem mais impostos.
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"Redpillado": como Matrix inspira grupos machistas e a extrema-direita. (O ex-ministro Ernesto Araújo já se definiu como "redpillado". Diz a reportagem: "No vocabulário masculinista, os 'red pills' seriam homens que se opõem ao 'sistema que favorece as mulheres', por terem alcançado um conhecimento privilegiado sobre isso. Já os 'blue pills' continuariam vivendo em ilusão e, portanto, seriam usados pelas mulheres.")
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Um raio-x do "pânico nas livrarias brasileiras".
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Ainda vai demorar um pouco para entendermos o tamanho das mudanças que o Spotify está causando (pro bem e pro mal) na música, no jornalismo, na produção cultural, na economia dos criadores. Uma pista do que vem por aí: "O Spotify tem planos de ir além da música e se tornar o Instagram e o TikTok do áudio".
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Quantas pessoas no mundo usam a internet? Segundo a ONU, 63% da população do planeta (mas, na África, apenas 33%).
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O que a humanidade deveria comer para se manter saudável e salvar o planeta. (Spoiler: muitos vegetais, alguma coisa de peixe e carne.)
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O próximo artefato tecnológico que vai indicar se a sua saúde está bem? A privada inteligente.
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Cinco hábitos de conversa que podem melhorar suas relações.
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As amizades que você faz online. ("Esta é uma ode às amizades digitais, uma taxonomia de conexões e desconexões.")
Acabei de ler seu artigo e achei o blog muito interessante, tem muita informação que eu estava procurando, parabéns. https://cinevisionv6.com.br
Excelente, como sempre, Thiago! Vi Yara como quem não quer nada, adorei e me perguntei pq não vi mais gente falando sobre, até ler sua news dessa semana :)