Intermediários culturais são importantes?
Será que a perda de relevância dos formadores de opinião faz a cultura de massas ficar mais chata? Ainda a Madonna. As boas séries Hacks, Um Homem Por Inteiro e Bebê Rena. E mais, nesta MargeM 235
Glenn O’Brien foi o editor de Sex, o livro lançado pela Madonna em 1992 que escandalizou meio mundo (o conservador) e ajudou cimentar a cantora como uma das artistas mais iconoclastas da história da música pop.
O'Brien talvez tenha sido escolhido por Madonna porque era um escritor, agitador e editor que sabia identificar gente interessante e pescar boas e curiosas histórias. Amigo de Andy Warhol e de Basquiat, editou a Interview, escreveu pra High Times, assinou coluna na ArtForum. Depois ainda seria o “Style Guy” da GQ. Morreu em 2017.
Bem, O'Brien era um exemplo de “tastemaker”, ou formador de opinião.
“No passado, formadores de opinião nos mundos da moda, arte e música estabeleceram carreiras através desse tipo de arbitragem (ou intermediação) - escolhendo tendências interessantes de subculturas para apresentar como novidades no mercado mainstream”, segundo W. David Marx, escritor que é autor do livro Status and Culture: How Our Desire for Social Rank Creates Taste, Identity, Art, Fashion, and Constant Change, e autor deste ótimo ensaio em que analisa como o oceano de informações que encontramos na internet de certa forma pode contribuir para que a cultura massificada se torne... chata.
Trecho:
“As vastas bases de dados da internet, as redes sociais em tempo real e as plataformas globais de e-commerce tornaram quase tudo imediatamente pesquisável, conhecível ou comprável - reduzindo o valor social de compartilhar coisas novas. A intermediação cultural agora acontece com tanta frequência e rapidez que é quase indetectável, geralmente sem gerar lucros sensíveis para aqueles responsáveis por transmitir a informação. Além disso, a velocidade pura da comunicação moderna reduz o tempo de valor de determinados conhecimentos. Isso, por sua vez, desvaloriza a aquisição e o acúmulo de conhecimento como um todo, e menos indivíduos podem facilmente construir identidades inteiras baseadas nisso.”
Bem, a ideia de que formadores de opinião são importantes para disseminar coisas novas e legais soa elitista e reducionista (e o autor percebe isso). O argumento dele é que a falta de inovação na cultura pode ter como uma de suas causas o desaparecimento dos “intermediários culturais”.
“A indústria do entretenimento sempre precisa de novas ideias, e com menos casos de intermediação cultural, poucas (dessas ideias) que chegam aos consumidores mainstream parecem particularmente valiosas.”
Madonna, Madonna, Madonna. Sobre o show, algumas coisas boas que li:
“E Madonna, claro, também tinha uma clara agenda anti-etarista e feminista com a concepção do show: mostrar que uma mulher de mais de 60 anos, idade em que as mulheres são muito invisibilizadas em muitas camadas de suas vidas, pode o que quiser. Exibir o corpo, viver a sexualidade e prosseguir transgredindo e chocando o moralismo.” - Bia Abramo.
“O show é teatral, queer, autobiográfico, denso. Quem buscava uma festona hedonista pura e simplesmente teve que se contentar com a ópera burlesca sobre vida e a obra de uma das maiores artistas da nossa época.” - Claudia Assef.
“Madonna nunca teve a ver só com canto, dança, videoclipes ou indústria do entretenimento. Na verdade, em seu documentário Na Cama com Madonna, de 1991, ela afirma saber que não é a melhor cantora, nem a melhor dançarina. ‘Estou interessada em mexer com as pessoas, em ser provocativa e política’.” - Lucas Brêda.
“Não existe dicotomia ou polarização: Madonna é a favor da música. Tanto que arregaça metaforicamente as mangas de diva pop, pega no violão e dispensa o auxílio luxuoso dos playbacks e efeitos vocais para transformar um de seus grandes hits no momento mais emocionado de sua noite histórica.” - Pedro Só.
Se a gente achava que as guerras culturais estavam sendo travadas entre progressistas e conservadores, entre Ocidente e Oriente, entre Norte e Sul, bem, temos mais uma fronteira aberta.
“A mais recente guerra cultural online é Humanos vs. Algoritmos. Já sentiu como se os algoritmos do Instagram ou do TikTok te conhecessem um pouco demais? A reação contra a curadoria automatizada está crescendo, e novas plataformas livres de algoritmos estão surgindo.”
Além da matéria linkada acima, se quiser saber mais sobre como os algoritmos estão ditando a nossa vida online, saiu o livro Filterworld: How Algorithms Flattened Culture. E este artigo fala bem sobre a obra.
Séries:
Se não soubesse que é uma história real (como é reafirmado no início do primeiro episódio), eu teria desistido de Bebê Rena no segundo episódio. Porque são tantas e tão absurdas reviravoltas no roteiro que parecem truques pra manter a audiência. A história, basicamente, é sobre um comediante que trabalha como barman e se envolve com uma mulher que passa a stalkeá-lo. (E a mulher vai ao programa do Piers Morgan nesta quinta para dar a sua versão da história.)
Os dois primeiros episódios de Hacks foram bem animadores. A série sobre a relação entre uma veterana estrela da comédia e sua jovem roteirista-assistente. Nesta terceira temporada, as duas estão inicialmente separadas, mas voltam a se cruzar em um evento. Não é sempre que uma série consegue equilibrar ótimas piadas com tensão dramática.
Ainda estou no segundo episódio, mas gostando bem de Um Homem Por Inteiro, minissérie em que Jeff Daniels interpreta o presidente de uma companhia que está à beira da falência. Adaptação de livro do Tom Wolfe, a trama envolve ainda a secretária negra de Daniels e o marido, além da ex-mulher do executivo.
Para fazer doações às vítimas da tragédia que atinge o Rio Grande do Sul, algumas opções:
- Conta SOS Rio Grande do Sul, via Pix - Chave CNPJ: 92.958.800/0001-38.
(Divulgado pelo governo do estado. Podem aparecer as opções Associação dos Bancos do Estado do Rio Grande do Sul ou Banco do Estado do Rio Grande do Sul, o que soa meio esquisito, né, mas vá lá.)- Agências dos Correios nos estados de SP e PR estão recebendo doações como cestas básicas, peças de vestuário, produtos de higiene pessoal e materiais de limpeza. Sem custo de transporte.
As imagens desta edição da MargeM são da série Dogg Pound Days, em que Karabo Mooki retrata as subculturas de skate e afropunk de Soweto, na África do Sul.
→ Jack Dorsey deixa o comando do Bluesky (e permanece postando no X).
→ Quando os filtros das redes sociais se tornam reais.
→ O seu celular pode dizer se você está em depressão.
→ O X (ex-Twitter) está utilizando o Grok (IA de propriedade do Elon Musk) para publicar resumos de notícias e outros tópicos na plataforma.
→ Adolescentes estão acessando chatbots de IA como forma de fazer amigos.
→ O “Abaporu” de látex de Rodolpho Parigi vai a Nova York.
Excelente, reflexão! Sempre termino suas leituras com mais mil textos salvos para ler em seguida! Ótima curadoria! ✨
Altas fotos, hein. Bicho, eu cheguei no Bebê Rena achando que era uma série de comédia. Foi... uma experiência.