Internet feminista; o que o Brasil ouve
MargeM 158 na área. Duas pessoas do mercado editorial falam sobre o que acham da publicação de livros no formato newsletter. Como fazer uma internet feminista? Artistas e gêneros da música que o brasileiro mais ouve. E mais.
Na semana passada, escrevi sobre a história de um jornalista-escritor norte-americano que desistiu de publicar um livro pelo caminho normal, via editora, para soltá-lo em formato newsletter (ele recebeu uma grana do Substack).
O cara vai publicar um capítulo por semana. E apenas quem pagar US$ 5/mês terá acesso.
Entre tudo o que ocorre em relação a newsletters, este caso foi um dos que mais me surpreendeu. Será que periga mexer com o mercado editorial? É uma ideia que pode se popularizar?
Pedi a duas pessoas do meio editorial que comentassem a história.
Raquel Cozer, diretora editorial da HarperCollins Brasil:
"A princípio eu gosto de todas essas experimentações de formato, sempre acho que pode ser pelo menos um caminho para um novo modelo. Num caso como esse, acaba dependendo muito do quão conhecido é o autor para que as pessoas se animem a pagar, já que ainda existe uma cultura muito arraigada de as pessoas tenderem a não querer pagar pelo digital (a não ser que seja uma plataforma tipo Netflix ou Spotify, que permite uma variedade de escolhas dentro do conteúdo, mas a gente vê muito esse pensamento no que diz respeito a imprensa, por exemplo).
Outra coisa: vai ser muito mais caro comprar esse livro em capítulos do que comprar o ebook finalizado. É raríssimo um ebook custar 60 dólares, só se for um livro enorme mesmo. Mas não acho que compete, não (com as editoras). Esse formato, na verdade, seria um filhote dos folhetins, né. Tipo Nelson Rodrigues, que publicava a história inteira em jornal e depois vendia os direitos para edição em livro (e era sucesso nos dois formatos).
Um último ponto: como será a qualidade em termos de edição? Porque, para mim, uma das coisas mais difíceis de um bom livro é construir uma boa estrutura, algo que se sustente do começo ao fim, que tenha ritmo. É comum chegar ao capítulo final e perceber que tem coisas ali que poderiam estar no meio do livro, por exemplo. O trabalho de um editor é algo bem visível, que faz a diferença. Não sei como é o processo de edição desse livro: se tem um editor ou se apenas estão pagando para ele ir publicando como uma newsletter”.
André Conti, editor da Todavia:
"Escritores são sempre pioneiros da comunicação. Das praças às cortes, dos palcos de teatro ao rádio e à televisão, escritores sempre foram rápidos em ocupar esses espaços novos de comunicação quando surgiam. No caso de um país com tão poucos leitores como o Brasil, a tecnologia vira uma questão quase de sobrevivência. Não é à toa que bem no início dos blogs já havia escritores publicando na plataforma. Mesmo quando ter um site implicava numa conta gratuita do Geocities, já havia experiências bem fortes como o Literatura de Proa, um dos primeiros sites sobre livros no Brasil.
Embora enquanto tecnologia o livro avance mais lentamente (mesmo que com uma aceleração nos últimos anos), ele sempre sabe se aproveitar da tecnologia em volta –naquele sentido de que a dificuldade é a mãe da invenção. Não é de espantar que uma das maiores gigantes de tecnologia do mundo, a Amazon, tenha surgido vendendo livros.
No caso da newsletter que você mencionou, acho um modelo bem parecido com os antigos folhetins, em que cada capítulo era vendido em um fascículo. Autores como Dumas tinha um secto de fãs e as tiragens foram ficando altíssimas. No fim, saía um compilado (e editado) em livro. No Brasil, lembro da experiência do Mario Prata, que no início dos anos 2000 escreveu um romance pela internet com os leitores.
Onde houver uma nova tecnologia de comunicação, vai haver um escritor para explorá-la. A newsletter tem sido uma alternativa menos pública e mais direcionada. O escritor saindo da praça/Twitter e falando diretamente com seus leitores mais próximos, num formato livre no tamanho e no tom e com intimidade. Mesmo não sendo um romance em capítulos, a newsletter de um escritor é também onde ele está afiando a faca, testando a água e, até, praticando".
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Ainda sobre newsletter, vale ler esta bela reportagem da New York, que afirma que "a promessa financeira das newsletters por e-mail impulsionou inúmeras micropublicações –e criou um novo gênero literário".
"Newsletters podem ser como colunas de jornal, mas separadas da autoridade institucional. (...) O que as newsletter compartilham é o apelo pessoal da entrega especial. Elas exigem a autoconfiança envolvida em fazer esse apelo a dezenas, senão centenas ou milhares de estranhos. Uma newsletter reformula a relação de um escritor com seus leitores."
Continua: "Em uma newsletter, o leitor é saudado como um apoiador, um aliado –ou talvez até um amigo".
"As pessoas querem um e-mail porque desejam companhia e, como ouvir um podcast, assinar uma newsletter pode proporcionar o prazer parassocial de ter um amigo imaginário ligeiramente famoso."
Dry Cleaning - Tiny Desk (Home) Concert
A ótima banda em uma versão ao vivo diferente –menos elétrica. Tem vocal mais legal hoje do que o da Florence Shaw?
O que o Brasil ouve?
Pelo menos no streaming, o primeiro semestre deste ano mostra que:
- os Barões da Pisadinha são o artista mais ouvido, com 390 milhões de plays;
- nenhuma música alcançou o sucesso de Batom de Cereja, de Israel e Rodolffo;
- brasileiro gosta mesmo de ouvir música nacional;
- o gênero campeão é o sertanejo, seguido por forró e funk.
Estes e outros dados estão nesta ótima reportagem.
Chegou a hora de uma "internet feminista", livre de assédio, ódio e misoginia? É o que questiona um excelente artigo na revista do MIT.
A autora, Charlotte Jee, afirma que já existe um movimento que busca reinventar a web, tornando seus espaços e redes ambientes que inibem comportamentos misóginos.
"O movimento pode parecer ingênuo em um mundo em que muitos desistiram da ideia da tecnologia como uma força do bem. (...) Alcançar essa visão exige que reformulemos radicalmente o funcionamento da web. Mas se o construirmos, não será apenas um lugar melhor para as mulheres; será melhor para todos."
Jee lembra que "a pandemia agravou o problema à medida que trabalho, lazer, saúde, namoro e muito mais foram arrastados para ambientes exclusivamente virtuais. Metade das mulheres e pessoas não binárias entrevistadas pela instituição de caridade Glitch do Reino Unido relataram ter sofrido abuso online no ano passado, a grande maioria no Twitter. Um relatório recente do Pew Research Center descobriu que 33% das mulheres com menos de 35 anos foram assediadas sexualmente online; em 2017, esse número era de 21%".
Muito do abuso é coordenado, por meio de uma rede informal apelidada de “manosphere”, que se reúne em sites e fóruns. O problema não é exatamente novo, e sua origem pode ser traçada láááá atrás, quando a internet foi desenhada.
"A ignorância e a miopia que sustentavam o techno-otimismo na década de 1990 eram parte do problema. Muitos dos primeiros pioneiros da Internet acreditaram que ela poderia se tornar um mundo virtual neutro, livre da política confusa e das complicações do mundo físico."
Jee lembra que, em 1984, 35% da força de trabalho de tecnologia nos EUA era formada por mulheres; hoje é de apenas 20%.
Como construir essa internet feminista? Para Jee, o caminho passa por reconstruir as relações de poder.
Com filtros e ferramentas de realidade aumentada, as redes sociais viraram um ambiente em que usuários criam perfis em que diferentes alter egos –uma mesma pessoa "física" que dá vazão a "personalidades múltiplas".
"A internet sempre nos permitiu imaginar diferentes identidades e realidades e, à medida que a tecnologia evolui, essas identidades e realidades digitais alternativas se tornarão mais reais para nós. Até que, talvez, elas sejam mais percebidas como realidades alternativas."
Imagem de Rotimi Fani-Kayode que está na mostra Masculinities: Liberation Through Photography, no festival Arles.
Coisas legais por aí
Results. Meio comédia romântica, meio drama existencial, este filme de 2015 é uma pequena joia escondida na Netflix. Sobre um cara meio excêntrico, recém-divorciado, que começa a fazer aulas de ginástica com uma personal.
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Marianne & Leonard - Words of Love. No início dos anos 1960, quando ainda era um escritor iniciante, Leonard Cohen passou um tempo em uma pequena ilha grega. Ali, conheceu a norueguesa Marianne Ihlen, que tinha um filho e acabara de se separar do marido. Os dois iniciam uma relação que durou oito anos. Marianne foi a primeira (e mais importante) musa de Cohen. Este emocionante documentário mostra bem a relação entre os dois.
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Bubbling Inside. O Nyege Nyege (que é um selo e um festival de música de Uganda) recupera faixas do DJ/produtor holandês De Schuurman. São produções que criaram um gênero, o bubbling house, com distorções vocais e beats nervosos. Um espetáculo.
Dave - Clash (participação de Stormzy)
O encontro de dois dos caras mais legais da música britânica.
Sobrevivendo no Inferno, o incomparável disco dos Racionais, é destrinchado em livro.
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A Courtney Barnett vai lançar disco em novembro. Sobre o álbum, ela diz que foi "como encontrar algum tipo de alegria e gratidão em meio à dor e à tristeza”.
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As 30 melhores músicas do Velvet Underground. (A minha preferida, Venus in Furs, aparece em terceiro.)
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"Estava jogado em um porão e ninguém se importava.” É o que diz Questlove sobre o material audiovisual que serve de base para o documentário Summer of Soul, sobre os shows de nomes como Stevie Wonder, Mavis Staples, Nina Simone, Sly and the Family Stone, entre outros, no Harlem Cultural Festival em 1969.
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Como a banda italiana Måneskin estourou com rock de TV, covers e polêmicas com drogas e beijo.
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Para a indústria da música, "as criptomoedas serão tão disruptivas quanto a MTV".
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Robôs fazem música, mas eles conseguem cantar?
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Tem uma nova geração de "fashion boys" que está usando o TikTok para falar sobre moda.
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O grande Michael Pollan, que já escreveu bastante sobre comida e sobre psicodélicos, questiona em artigo: "é hora de largar a cafeína?".
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A semana de trabalho de quatro dias é um sucesso na Islândia.
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A mentira dos alimentos com data de validade "vencida".
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O design dos aparelhos de cozinha e a "ilusão da estética millennial".
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Como os gagos estão usando o TikTok e o YouTube.