O futuro da internet está no passado?
Será que o modelo de negócios do Spotify (e do streaming de música no geral) é viável? Um perfil delicioso do mais poderoso agente literário do mundo. Nelson Ned. E mais, nesta MargeM 228
Uma companhia que tem 574 milhões de usuários mensais – e 226 milhões deles com planos pagos de assinatura e que abocanha cerca de 30% de seu mercado. São números que fariam sorrir qualquer executivo ou investidor dessa companhia. Não do Spotify.
Esta análise vai em uma questão que nem é tão nova, mas que ganha novas interpretações a cada obstáculo enfrentado pelo gigante do streaming (como o recente corte de funcionários): o modelo de negócios do streaming de músicas não seria viável.
“Apesar de ser o serviço de streaming de música mais conhecido do mundo, o Spotify enfrenta desafios com um modelo de negócios instável. Nele, as gravadoras se beneficiam com pagamentos de royalties, enquanto os artistas podem encontrar dificuldades para obter uma remuneração adequada”.
No artigo, um especialista opina, a respeito do número de usuários da companhia: “À primeira vista, parece ótimo. São esses custos persistentes que ele não consegue superar”. Os custos se referem, principalmente, ao licenciamento das músicas que oferece em seu catálogo – em torno de 100 milhões de faixas.
Se as plataformas de streaming de filmes e séries encontram problemas em relação ao seu modelo de negócios, as de streaming de música estão em situação mais complexa, já que Netflix, Max, Disney, Prime e outras conseguem produzir atrações próprias para seus assinantes (por ex., só conseguimos achar Cangaço Novo no Prime), enquanto Spotify e concorrentes entregam basicamente os mesmos discos e músicas que estão em todas as plataformas.
Assim, as plataformas não podem aumentar o valor de suas assinaturas, para não perder usuários para a concorrência. “É um negócio bom para ouvintes e gravadoras, mas ruim para streamers e artistas”, resume o artigo linkado acima.
Já este outro artigo aponta para uma preocupação num futuro próximo:
“Alguns investidores também vão questionar se os executivos do Spotify estão tomando as decisões certas para a empresa, tendo em vista outros grandes prejuízos recentes, incluindo os gastos extravagantes da empresa no mercado de podcasts. E, é claro, se o Spotify continuar a ter prejuízos até 2024, pode ser necessário obter mais financiamento por meio de dívidas para se manter operacional.”
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Como se desenrola o Spotify Wrapped, uma das mais bem-sucedidas ação de marketing em mídia digital.
O futuro da internet, ou de uma parte dela, está no passado.
Essa ideia está na cabeça de duas personalidades que têm a manha de comunicar e entreter: Neil Gaiman e Cal Newport. O primeiro é um celebrado autor de romances e HQs (Sandman; Deuses Americanos). O segundo, um professor de ciências da computação e autor de livros de não-ficção (Um Mundo sem E-Mail; Minimalismo Digital).
Essa volta ao passado que os dois almejam seria inspirada pela época em que reinavam os blogs e, entre os leitores, havia a sensação de pertencimento de uma comunidade.
Gaiman diz que adora blogar e que as redes sociais estão perdendo usuários.
“É interessante porque as pessoas estão saindo (das redes sociais). O Twitter acabou. (...) Os novos Twitters, como Threads e Bluesky… nada vai fazer o que aquela coisa fez antes. O Facebook funciona, mas realmente não funciona. Então acho que provavelmente a era dos blogs pode retornar e talvez as pessoas venham e encontrem você e me encontrem novamente”.
Newport concorda. Argumenta que o desenho centralizado das redes sociais (milhões de pessoas interagindo em algumas poucas plataformas) não é “natural”.
“O futuro da internet que mais me entusiasma é, de muitas maneiras, uma imagem instantânea de seu passado. É um lugar onde pessoas como Neil Gaiman não precisam alimentar seus pensamentos em um motor de engajamento, mas podem, em vez disso, colocar uma placa virtual em seu próprio pequeno pedaço de ciberespaço e atrair e construir uma comunidade mais íntima de viajantes com interesses semelhantes.”
É uma visão que deixa para trás a busca incessante por likes, seguidores e engajamento para tentar alcançar um senso de comunidade que seria muito mais sólido, rico e saudável.
Sim, mas ao mesmo tempo é uma visão quase utópica. Uma coisa é Gaiman (autor super-conhecido) e Newport (que tem uma newsletter de mais de 80 mil assinantes) optarem por publicar textos, áudios e vídeos nos próprios sites. Outra coisa é a realidade de criadores, influenciadores e profissionais que usam as redes para divulgar trabalho e que teriam de abrir mão da funcionalidade (cada vez mais capenga, mas vá lá) das plataformas.
Bob Dylan, Italo Calvino, Camus, Orhan Pamuk, Saramago, Roberto Bolaño, Borges, Karl Ove Knausgård, Rachel Cusk, Sally Rooney e a Royal Shakespeare Company são apenas alguns dos mais de 1.300 clientes de Andrew Wylie, o mais conhecido e temido agente literário do mundo.
“Quando entramos numa sala, Borges entra na sala, Calvino entra e Shakespeare entra, e é intimidante”, regozija-se Wylie.
Wylie não é apenas um amante da literatura. É amante do poder. Um de seus clientes era Henry Kissinger, que o ajudou a entrar no mercado chinês.
Dois trechos do perfil:
“Desde meados dos anos 90, Wylie ficou conhecido como 'O Chacal', e muitos outros agentes e pequenas editoras ainda o veem como um predador que se apropria de talentos literários cultivados por outros”.
“Quando jovem, ele passou uma semana nas montanhas Pocono entrevistando Muhammad Ali para uma revista e cantando para ele versos homéricos em grego original. Visitou Ezra Pound em Veneza e também cantou Homero para ele. Em Nova York, passou muito tempo no Studio 54 e na Factory estudando a maneira como Andy Warhol construía sua persona pública. Afirma que, nos anos 1970, Lou Reed o apresentou às anfetaminas e que foi ele, Wylie, quem deu o nome à banda Television”.
Uma delícia a leitura de Tudo Passará, a excelente, engraçada e bonita biografia de Nelson Ned escrita pelo jornalista e escritor André Barcisnki. Em pouco mais de 200 páginas, o livro recupera e contextualiza os excessos, as loucuras, as brigas pela imprensa (com Ronaldo Bôscoli, por exemplo), os dramas pessoais e, claro, a idolatria que Ned cultivava do México a Angola, passando por EUA, Colômbia, Brasil e tantos outros países.
Um trecho:
“O simples ato de caminhar alguns passos doloroso para Nelson Ned. Cantar de pé, por uma hora e meia, era uima tortura. Ele desenvolveu uma técnica em que usava o pedestal do microfone como apoio para aliviar o peso na coluna. Orgulhoso, Nelson nunca aceitou usar bengalas ou muletas e odiava ter de pedir a alguém para ajudá-lo a atravessar a rua”.
“Quiseram calar a noite de São Paulo, mas ela ainda resiste.”
Muito bom esta crônica de Julián Fuks. Trecho:
“E é assim que temos reencontrado a noite que perdemos. (...) E é assim que temos frequentado vastos salões nobres que se abrem acima de botecos insuspeitos, e pistas quentes à margem dos trilhos do trem, e aparentes domicílios que se franqueiam em salas e salas de entusiasmo febril, e terraços que estranhamente escapam à vigilância municipal, e entrepostos que a lei não alcança, e apertados porões onde os músicos se reúnem ao fim da noite, todos juntos à espera de um sol gentil. E é assim que temos descoberto que ainda vivemos numa cidade inquieta e enérgica, disposta a combater com música a ubiquidade do silêncio.”
As fotos desta edição são da expo Robert Mapplethorpe: Subject Object Image.
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