Os psicodélicos e a morte gradual do anonimato online
MargeM 151 na área. Novo livro conta a história das drogas psicodélicas e desmascara preconceitos. A Banca Digital e a rede de influenciadores no Instagram. A “morte do anonimato online”. E muito mais.
"O livro chega numa época de profundo baixo astral do Brasil, mas é um momento de esperança para os psicodélicos que, segundo estudos, demonstram potencial de tratamento psicoterapêutico."
Experiente jornalista da área de ciências, Marcelo Leite fala sobre Psiconautas, que sai pela nova editora Fósforo, no qual ele 1) conta a história de diversas drogas psicodélicas, demolindo preconceitos com argumentos científicos e desmistificando o senso comum criado em torno do assunto; 2) revela diversas pesquisas feitas a respeito do uso de substâncias como LSD, ayahuasca, MDMA, psilocibina e ibogaína para o tratamento de condições como dependência química, estresse pós-traumático e depressão, entre outras; 3) apresenta depoimentos de pessoas que passaram por tratamento com essas substâncias; 4) e relata em primeira pessoas as experiências que teve ao tomar essas drogas.
Com uma linguagem acessível, que muitas vezes faz uso de metáforas para traduzir conceitos científicos, o livro é um excelente ponto de partida para entender por que estamos vivendo uma espécie de "renascimento psicodélico".
Abaixo, a entrevista (editada) que Marcelo concedeu à MargeM.
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O Brasil é protagonista em pesquisa de psicodélicos?
Pra surpresa de muita gente, sim, é protagonista. Publiquei no blog uma nota a respeito de um levantamento recente da literatura científica sobre psicodélicos que mostra que, dos 50 trabalhos mais citados na comunidade científica, o Brasil fica em terceiro lugar, atrás de EUA e Reino Unido. Temos uma longa tradição de pesquisa em maconha e psicodélicos, principalmente em ayahuasca. São pesquisadores que estão na vanguarda da pesquisa científica de psicodélicos.
Por que estamos vivendo num "renascimento psicodélico"?
Drogas como LSD e psilocibina eram usadas em psicoterapia, décadas atrás. Havia estudos na USP sobre o uso de LSD. Médicos e psicanalistas receitavam LSD para ajudar nas sessões psicoterápicas. Principalmente nos EUA, muitos pacientes eram tratados com drogas psicodélicas. Hoje estamos assistindo a uma retomada dessas pesquisas.
A maior parte dos psicodélicos não causa dependência e, como você mostra no livro, ninguém morre de overdose de LSD. Por que essas drogas saíram dos estudos científicos e foram colocadas no mesmo saco de outras, como cocaína e heroína?
Só consigo enxergar uma razão política. A associação dos psicodélicos com a contracultura, com os movimentos dos direitos civis, motivou a reação da direita conservadora, que acabou levando à guerra às drogas e à proibição dessas substâncias. São drogas que têm um potencial libertador, de emancipação, e aí houve a reação conservadora, que buscou tirar essas drogas de circulação na esperança de tornar a juventude mais conformista. O que de certo modo funcionou.
A pesquisa científica com LSD, ayahuasca, MDMA e outras drogas pode criar um ambiente favorável à legalização dessas substâncias?
Muitos acreditam que com os psicodélicos deve ocorrer algo similar ao que houve com a maconha medicinal. Com o tempo, acabou levando a uma descriminalização. Não gosto muito do termo uso recreativo, porque a experiencia com LSD e psilocibina não é necessariamente prazerosa, é de autoconhecimento. Mas possivelmente o percurso será esse. O primeiro caso deve ser o de MDMA para o tratamento de estresse pós-traumático. Até 2023 essa autorização deve sair. Porque é a grande promessa para tratar veteranos de guerra, vitimas de abusos sexuais. Os preconceitos e as barreiras vão diminuir com o tempo. .
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Na Inglaterra: Cientistas mostram como o LSD abre as portas da percepção; "estudo analisando conexões cerebrais de pessoas descobriu que drogas psicodélicas reduzem as barreiras que restringem os pensamentos".
Twin Shadow - Get Closer
O novo disco do Twin Shadow sai em julho. Este single é uma pequena joia disco-pop.
Há mais ou menos dez anos, quando teve de passar meses em casa por causa de uma fratura na perna, Murilo Henare criou um perfil no Twitter para postar memes. Depois passou para o Instagram, com o perfil @MigasuaLoca. Postava memes sobre novelas, Big Brother e cultura pop. Em pouco tempo ultrapassou o milhão de seguidores. O passo seguinte foi se associar a Fatima Pissarra para fundar a Banca Digital, rede com dezenas de perfis no Instagram que, juntos, têm mais de 80 milhões de seguidores.
A história está em uma excelente reportagem de João Batista Jr. que revela como funciona por dentro o mundo de influenciadores que são contratados por empresas gigantescas (para alavancar as vendas de refrigerantes a perfumes) e artistas da música (para fazer com que uma música ou um disco ganhe milhares de ouvintes).
"Henare e Pissarra ficam com 40% (da grana). Os donos dos perfis embolsam o restante. Cada arroba recebe de acordo com seu número de seguidores e volume de procura de clientes, de modo que costumam ganhar algo entre 25 mil e 120 mil reais por mês." Na última edição do BBB, "oito dos dez grandes anunciantes do reality show fizeram parceria com a Banca Digital. A Globoplay contratou a Banca Digital para divulgar as lives de artistas como Roberto Carlos, Ivete Sangalo, Luan Santana e o DJ Alok".
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Mas, como mostra a reportagem, muitas vezes os conteúdos feitos por esses influenciadores não respeitam os padrões éticos. Posts pagos por empresas ou por artistas são publicados como se fossem espontâneos. "A situação é mais nebulosa no mundo musical. A Banca Digital não informa –nunca– quando se trata de propaganda de artistas lançando clipes, ainda que todas as gravadoras sejam clientes da empresa."
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O problema, claro, não é exclusivo do Brasil. Uma pesquisadora de uma universidade australiana classifica esse ambiente dos influenciadores nas redes sociais como "velho Oeste do marketing". E o mercado é gigantesco: a verba de publicidade com influenciadores deve chegar a US$ 15 bilhões em 2022 (neste ano, 15% de todo o dinheiro gasto em publicidade vai para influenciadores).
Para a pesquisadora australiana, há uma "crescente mercantilização da vida cotidiana nas redes sociais, que ela diz criar uma área cinzenta entre as postagens pessoais e comerciais".
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Essa maneira pela qual muita gente se apresenta na rede, “mercantilizando” cada momento da vida, é tema de um belo ensaio da Terry Nguyen. Ela analisa a "morte gradual do anonimato online". "A desintegração do anonimato online coincide com um desejo crescente de mercantilizar a personalidade digital", escreve ela.
"Tudo que é conteúdo é mercadoria. As plataformas estão criando 'fundos para criadores' para incentivar os usuários a postar, com a promessa de monetização. Em breve, haverá pouco sentido em postar gratuitamente quando você pode lucrar com plataformas, com outros usuários ou com marcas –ou com todas essas opções."
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"Por que os millennials não conseguem amadurecer", diz o título de um artigo da Atlantic que tenta entender como essa geração está envelhecendo (afinal, eles nasceram a partir do início dos anos 1980) sem, necessariamente, tornar-se adultos de fato.
"A geração millennial, como quase todo mundo sabe neste momento, é uma geração atrasada. A recessão da pandemia levou adultos não tão jovens a adiar (plano de) ter filhos, comprar uma casa, se casar ou investir em um carro –mais uma vez. As condições econômicas de hoje não estão apenas segurando os millennials. Elas estão estratificando essas pessoas, levando a experiências desiguais dentro da própria geração bem como entre ela e outros grupos."
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É duro ser millennial. É uma geração que nasceu ensanduichada entre os Gen X e os Gen Z. Como diz reportagem da Vice, os primeiros chamam os millennials de "comedores de avocado"; os segundos, tiram sarro dos emojis e dos jeans skinny que eles usam. O foco do texto são os "geriatric millennials". O termo foi cunhado pela escritora Erica Dhawan.
Erica disse que é, sim, legal ser um geriatric millennial, porque são pessoas que sabem lidar tanto com o mundo digital como com o analógico. (Há outros motivos, vale ler o texto de Erica.)
Mas os próprios millennials, como mostra a Vice, rejeitam o termo.
A foto acima (de Amr Alfiky/NYT) é do parque Little Island, que vai abrir neste final de semana em Nova York. O parque foi construído por um bilionário (custo: US$ 260 milhões) depois de uma briga judicial que durou anos. O crítico do New York Times falou bem do projeto, que seria um "ganha-ganha para NY".
Já este jornalista afirma: "Se formos depender dos 'mega-magnatas' para criar nossos espaços públicos, eles continuarão a construir pequenos e 'charmosos' projetos SimCity. Pelo amor de Deus, simplesmente tribute essas pessoas e use a receita para parques reais"
A Amanda Hess fez um enorme perfil da Sinead O'Connor em que lembrou passagens como a que a cantora irlandesa foi ao Saturday Night Live e rasgou uma foto do papa João Paulo II (episódio que, para muitos, fez com que ela fosse meio que banida da indústria cultural).
O curioso é que a própria Sinead O'Connor foi aos comentários da página do NYT para trocar ideia com os leitores e escrever coisas como "NÃO É MEDIDA DE SAÚDE ESTAR BEM AJUSTADA EM UMA SOCIEDADE PROFUNDAMENTE DOENTE".
Isabelle Moreira Lima: Como escolher vinho de inverno. "Não pense que estamos entrando na ditadura dos tintos. No frio, tudo vale a pena se o corpo e o álcool não são pequenos."
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Em um restaurante, é, sim, inteligente pedir o segundo vinho mais barato do menu (pelo menos de acordo com uma pesquisa feita em restaurantes londrinos).
"Uma das melhores metáforas para a vida moderna que já ouvi é que é como um carro indo em direção a um penhasco enquanto outdoors se alinham em ambos os lados da estrada, bloqueando a visão do motorista.
Esses outdoors são todas as distrações que a sociedade tem a oferecer. Netflix. Esportes. Filmes. Música. Tudo o que você consome para evitar pensar a respeito de aonde está indo.
E esses outdoors cobrem a sua visão até o final da estrada, quando de repente o penhasco se aproxima. Então, com o seu carro voando no ar, você começa a pensar na morte e no sentido da vida."
Trecho de um ótimo e emocionante texto do jornalista Jonathan Tjarks, que descobriu estar com um câncer.
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De onde vem o câncer e por que não desapareceu com a evolução?
Coisas legais por aí
Killing Gaza. Documentário dirigido pelos jornalistas Dan Cohen e Max Blumenthal que exibe os ataques de Israel à Faixa de Gaza em 2014. Ainda atualíssimo. (E tem legendas.)
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Fuga à Meia-Noite. Ator de filmes como O Céu Pode Esperar, Corações em Alta e King Kong, Charles Grodin morreu nesta semana, aos 86 anos. Talvez o seu melhor filme é Fuga à Meia-Noite, um thriller-comédia em que contracena com Robert De Niro.
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Radiohead ao vivo. A banda coloca no YouTube show feito no Santa Barbara Bowl em agosto de 2008.
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Seeking New Gods. Esquisito e absurdamente lindo disco de Gruff Rhys, vocalista dos Super Furry Animals. São nove faixas, que vão de uma balada melodicamente perfeita (Can’t Carry On) a uma viagem melancolicamente delicada (Distant Snowy Peaks).
Not Waving & Marie Davidson - Hold On
Sobre amizade, liberdade, sonhos. União entre a grande Marie Davidson e o produtor Alessio Natalizia. Que faixa linda, emoldurada por sintetizadores que parecem saídos de um filme da Sofia Coppola. (E o vídeo é um espetáculo; dá até vontade de voltar a ser adolescente.)
Quem também quer investir em podcasts: a Netflix.
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O secretário especial da Cultura do Brasil vai a Veneza sem saber quem é Lina Bo Bardi, homenageada da Mostra Internacional de Arquitetura da cidade.
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Persona - Som, a icônica trilha sonora da obra Jogo das Mutações, de Roberto Campadello, está sendo relançada no Brasil e Europa. (Campadello apresentou a obra na Bienal de São Paulo de 1973. A concepção da trilha é do artista e de Luis Carlini, ex-Tutti Frutti.)
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Bela reportagem sobre um pequeno fenômeno literário brasileiro: Como a Aline Bei virou uma best-seller vendendo livros no Instagram. "A estratégia singular de vendas da autora –'ela criou na unha o seu próprio algoritmo', brinca (a editora) Paulino– fez com que durante muito tempo Bei fosse responsável por comercializar mais exemplares que a própria editora."
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Quarto de Despejo foi publicado em 1960. O livro de Carolina Maria de Jesus continua muito atual no Brasil 2021: "Até o feijão nos esqueceu."
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Em uma arte: os 50 maiores influenciadores do mundo, de Cristiano Ronaldo a Whindersson Nunes.
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Memórias do Cárcere, O Céu de Suely, Jogo de Cena, Cartola: o Festival Estação Virtual exibe no Vimeo, gratuitamente, 150 filmes brasileiros.
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Depois de 21 anos e 195 milhões de dólares, o novo museu Bourse de Commerce - Pinault Collection vai ser inaugurado em Paris.
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Como uma das maiores cataratas do mundo secou.
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Em vídeo: Como o mito de estátuas brancas gregas surgiu e alimentou uma falsa ideia de superioridade.
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Na Esquire, os 50 melhores momentos da história da internet.
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Nos anos 1960, Andy Warhol fez um filme de 8 horas de duração em que a cámera aponta exclusivamente para o Empire State Building. Em 2021, o "slow TV" virou um fenômeno na televisão da Noruega.
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O que você faz se a sua empresa chama Covid?
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A história da Palestina, em um vídeo de 90 segundos.
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