Quatro ótimos livros; e a Sally Rooney
Alguns livros que valem a pena; o que a gente tem lido sobre a Sally Rooney; a relação tóxica entre fãs e popstars; as pessoas viciadas em procurar imóveis na internet; e mais, nesta MargeM 243
Alguns ótimos livros que passaram por aqui:
Bate Estaca: Como DJs, drag queens e clubbers salvaram a noite de São Paulo - Camilo Rocha.
Excelente radiografia do que foi a noite de São Paulo entre o final dos anos 80 e o começo dos 00. O livro é global, conta um pouco sobre a formação de techno, house e como a eletrônica se desenvolveu no mundo nas últimas décadas, mas é no local, nas histórias de personagens daqui do Brasil, que o livro emociona e diverte.
Camilo contextualiza bem como clubbers ainda eram (mal)vistos não há muito tempo; como essa cena impulsionou tendências; e como moldou comportamentos. E, ao chegar ao final do livro, bate uma tristeza e decepção: como uma cidade tão grande e cultural ainda trata tão mal quem faz de sua noite uma das mais vibrantes do mundo?Doppelganger: Uma viagem através do mundo-espelho - Naomi Klein.
Um livro tão bom quanto esquisito: a canadense Naomi Klein é uma escritora, ativista e pesquisadora que conta a experiência de ser confiundida com outra escritora, a americana Naomi Wolf.
Não é algo apenas exótico: a confusão gera transtornos para Klein. Enquanto a canadense há anos escreve contra corporações (Sem Logo) e é uma crítica feroz das mudanças climáticas, a americana Wolf, que já escreveu coisas como O Mito da Beleza virou uma anti-vax e conspiracionista.
A confusão começou nos protestos Occupy Wall Street e atravessou os anos. E o livro avança além das experiências pessoais de Klein: “(Vivemos) Uma cultura apinhada de formas diversas de duplicação., em que todos nós que mantemos uma persona ou avatar online criamos nossos próprios duplos”.Limite de Caracteres: Como Elon Musk destruiu o Twitter - Kate Conger e Ryan Mac.
Este livro é uma grande reportagem que se desdobra em mais de 400 páginas e revela detalhes da compra do Twitter por Elon Musk, o que se desenrolou depois e as consequências imediatas dessa aquisição. O livro não deixa pontas soltas: conta as dinâmicas do Twitter em sua fase inicial, a disseminação de fake news durante eventos como a pandemia e as decisões de Musk que levaram o X (como ele rebatizou a rede) a perder 79% do valor de mercado desde que fora comprado pelo bilionário.Folk Music: Uma biografia de Bob Dylan em sete canções - Greil Marcus.
Greil Marcus é um dos mais respeitados críticos de música dos EUA. Em quase 80 anos de vida, já escreveu para diversas publicações e soltou livros sobre o nascimento do rock nos EUA e como ele se desenvolveu; sobre a cultura pop no Ocidente e sobre Bob Dylan, entre muitos outros.
Marcus agora lança mais um, talvez menos ambicioso do que vários de sua bibliografia, mas não menos divertido e preciso. Aqui, ele comenta fatos importantes da vida e da obra de Dylan tendo como ponto de partida sete de suas músicas. Um livro fácil, engenhoso e informativo para entender a trajetória de Dylan.
Já leu Intermezzo, o novo da Sally Rooney?
Está na minha fila (na próxima MargeM espero escrever a respeito), e tenho lido e ouvido muita coisa sobre este quarto livro dessa irlandesa de 33 anos que é um dos nomes mais pop da literatura mundial.
A Time fez um apanhado de opiniões sobre Intermezzo. Uma delas: “Outro livro de Rooney em que mulheres quietas e nobremente sofredoras são curadas por um pênis mágico”.
Em uma entrevista à Paris Review, ela diz:
“Em todo o meu trabalho, em vez de escrever sobre personagens, escrevo sobre dinâmicas. Sempre acho engraçado quando as pessoas dizem ‘Esse é um personagem interessante’, ou ‘Esse é um bom personagem’, porque não acho que um personagem tenha valor intrínseco. Toda pessoa é intrinsecamente interessante, mas, em um romance, o que dá poder a um personagem é a sua relação com os outros e como essas relações mudam.”
Na Folha, Bárbara Blum já havia pescado essa ideia de Rooney: “Como é praxe no mundinho Sally Rooney, não acontece muita coisa. O que move o livro são essas relações entre os personagens –e o buraco negro entre seus pensamentos e suas ações”.
Na Slate, Laura Miller aponta: “Um leitor casual (ou crítico) de Rooney pode pensar que todos os seus livros são iguais. Mas seu novo romance é uma ruptura mais sombria e triste da fórmula — e é melhor por isso”.
Sobre o Nobel de Literatura, que foi pra Han Kang, dois textos excelentes. Este primeiro, de Motoko Rich e Choe Sang-Hun
“A premiação do Prêmio Nobel de Literatura para Han Kang representa mais uma validação do enorme poder cultural da Coreia do Sul. (...) Sua conquista vem na esteira do Oscar de melhor filme para Parasita, de Bong Joon Ho, em 2020, além do grande sucesso popular de séries como Round 6, da Netflix, e de grupos de k-pop como BTS e Blackpink. A vitória de Han, que é mais conhecida fora de seu país natal por A Vegetariana, reflete um momento em que romancistas e poetas mulheres da Coreia do Sul têm florescido, especialmente em traduções, levando uma onda de obras às mãos de leitores internacionais. No entanto, enquanto sua vitória foi amplamente celebrada como uma conquista cultural máxima para a Coreia do Sul, o que Han e essas escritoras representam é uma forma de rebelião contra a cultura sul-coreana, que ainda é profundamente patriarcal e frequentemente misógina.”
E este, do escritor colombiano Andrés Felipe Solano (inglês / espanhol):
“Em A Vegetariana, a recusa da protagonista em comer carne serve como uma alegoria, como costuma acontecer em obras com ambições literárias. Sua rejeição à carne simboliza sua resistência contra o marido e a família, um ato profundamente disruptivo em uma sociedade governada pelo nunchi — a habilidade sutil de captar sinais sociais, evitar causar desconforto e manter as hierarquias estabelecidas. (...) Sunme Yoon leu A Vegetariana e ficou tão impressionada que decidiu traduzi-la para o espanhol. Ela convenceu a editora argentina Bajo La Luna a publicá-la em 2012, quatro anos antes de ser lançada em inglês e ganhar o prêmio Man Booker. Até então, ninguém tinha ouvido falar de Han Kang fora da Coreia. Foi Yoon, criada em Buenos Aires, a responsável por abrir o caminho para a autora no Ocidente (até então, A Vegetariana só havia sido traduzida para o japonês). Até hoje, a escritora considera esse fato como o início de um efeito dominó e se orgulha de que sua literatura tenha entrado pela porta menos esperada.”
A Stevie Nicks voltou ao Saturday Night Live depois de 41 anos para cantar duas músicas. E mostrou que ainda comanda tudo.
As redes tornaram a relação entre popstars e fãs mais próxima, quente e imprevisível. Está saindo do controle.
Já são vários os artistas que têm não apenas reclamado, mas tomado atitudes sérias contra seguidores e admiradores.
Uma delas é Chappell Roan. Desconhecida há um ano, a cantora teve a vida transformada nos primeiros meses de 2024. O disco The Rise and Fall of a Midwest Princess (2023) e a recente faixa Good Luck, Babe! explodiram no streaming. Roan virou nome gigante. Com a super-fama, começaram a pipocar problemas com os fãs.
Em agosto, reclamou de “fãs invasivos”. Depois, cancelou participações em festivais.
Esta reportagem foi atrás de fãs de Chappel Roan para tentar entender como é a relação com a cantora. E esta conversou com uma psicóloga, que diz:
“O problema é como os fãs podem estabelecer uma conexão direta quando são apenas um entre potencialmente milhões que seguem o artista. Esses artistas não conseguem se conectar com todos os fãs online. Mas aqueles que não são notados, como se sentem? Até aonde alguns fãs podem chegar para serem notados?”.
Aos 26 anos, Jimmy Donaldson, mais conhecido como MrBeast, transformou seu canal no mais popular do YouTube e costurou acordos milionários de conteúdo (reality show pra Amazon) e publicidade (linha de brinquedos pra Target).
Mas as coisas já não estão indo tão bem. Porque ele não consegue se desvencilhar dos problemas que têm causado suas atitudes e parcerias.
As imagens desta edição da MargeM estão em expo de Zanele Muholi em cartaz na Tate Modern.
→ Como a corrida de buscadores muda nossa vida na internet e tira paz do Google.
→ “Elon Musk é a própria personificação da desprezibilidade.”
→ A Wikipedia tenta se proteger do lixo produzido por IA.
→ “Globo rebate YouTube e diz que é, sozinha, 38% maior do que todas as plataformas de vídeo online somadas.”
→ Em Nova York, ninguém quer morar perto de tiktokers.
→ As 20 melhores músicas do Duran Duran. (Concordo muito com a primeira, não tanto com as outras que estão no pódio.)
→ Um ranking com os 85 melhores personagens de Quentin Tarantino. (Concordo com os três primeiros.)
→ 50 melhores filmes dirigidos por mulheres da década de 1990.
→ Por que muitos chefs estão desistindo dos restaurantes.
→ “É o meu pornô”: as pessoas viciadas em buscar imóveis na internet.
Amei saber que a primeira tradução ocidental de A Vegetariana foi feita para a América Latina.