Redes sociais e poder
Autores de livro que disseca a compra do Twitter por Elon Musk falam à MargeM sobre a nova realidade das mídias sociais. Veja também 3 dicas de minisséries novas e boas
Esta MargeM #259 está meio longa. Mas, acho, por alguns bons motivos. Um deles é uma entrevista com dois repórteres que escreveram um livro que disseca um episódio que envolve redes sociais, discurso político e poder.
Tem tudo a ver com o que é a MargeM, uma newsletter que nasceu em 2019 e se transformou em uma plataforma de conteúdo. Estamos no Instagram, com posts sobre assuntos quentes, e no Spotify, em que montamos playlists com músicas que estão fazendo a nossa cabeça (e o coração). Por enquanto.
A nova realidade das mídias sociais, a aproximação de Elon Musk com Donald Trump e a política (em um negócio que movimentou US$ 300 milhões) e a quase impossível tarefa de moderação das redes estão entre os assuntos que Kate Conger e Ryan Mac abordaram em entrevista com a MargeM.
Kate e Ryan sabem do que falam.
A dupla é autora do excelente Limite de Caracteres, livro que parte de uma apuração rigorosa para construir um texto que costura fatos e análises de maneira limpa e envolvente, narrando como Elon Musk tomou as rédeas do Twitter e o transformou no X, em uma história que envolve funcionários demitidos, caos administrativo e a concentração de poder por um bilionário instável, obsessivo e narcisista.
Kate e Ryan são dois repórteres que cobrem tech para o New York Times e estiveram em São Paulo há poucos dias, para participar do festival Serrote. Abaixo, a entrevista.
MargeM - Plataformas como Bluesky ou Mastodon poderiam eventualmente superar o X como o principal espaço para conversas rápidas e reações em tempo real a eventos ao vivo?
Ryan Mac - Não tenho certeza se algum dia veremos outra plataforma “superar” o que o Twitter foi no passado. Um dos impactos duradouros da aquisição do Twitter por Musk e da mudança de nome para X é a fragmentação do espaço das redes sociais baseadas em textos curtos. Agora, existem opções como Bluesky, Mastodon, Threads e outras. Embora o X provavelmente ainda seja o maior e ainda seja útil durante eventos ao vivo, ele já não tem mais aquele clima de ponto de encontro central que existia em sua época de ouro.
As pessoas escolhem a plataforma com base em onde está sua comunidade, suas preferências políticas ou onde sentem que são tratadas de forma mais justa. Não vejo como voltaremos aos tempos do antigo Twitter, e isso, de certa forma, é o que Musk quer. Ele pegou algo que sonhava ser a praça pública do mundo e transformou em um lugar que reflete e amplifica os seus próprios interesses.
Kate Conger - Embora essas plataformas alternativas talvez nunca cresçam mais do que o X, elas oferecem um futuro promissor para as redes sociais. Muitas pessoas se sentem traídas pelas grandes plataformas após a última década de desinformação e escândalos. Elas querem mais controle sobre suas vidas online, e tenho esperança de que as novas plataformas que estão surgindo para substituir o X permitam que os usuários personalizem seus feeds, migrem suas redes sociais e sejam donos de suas experiências.
MargeM - O esforço de Elon Musk para se aproximar de Donald Trump e do governo dos EUA é apenas um movimento passageiro ou ele teria ambições de ocupar algum cargo político relevante?
Ryan - Bem, com base na Constituição, ele não pode concorrer à presidência, e talvez nem precise. Ele é facilmente a segunda pessoa mais poderosa do país, um papel que comprou gastando cerca de US$ 300 milhões para eleger Trump. Ele tem acesso direto ao presidente e uma influência incrível sobre o governo.
Dito isso, estamos vendo os efeitos do trabalho com o governo pesando sobre ele e seus negócios. Musk gosta de passar a impressão de que pode fazer tudo, mas estamos começando a ver os investidores da Tesla ficarem inquietos ao perceberem o que consideram negligência dele nas funções de CEO. Ele é o homem-chave da Tesla - o suposto visionário - e muita gente investiu na empresa por causa de suas ideias. Não é um bom sinal para o negócio quando ele passa a maior parte dos dias em Washington.
Musk já sinalizou que vai reduzir seu tempo em Washington, mas continuará influente. Ele pode falar com Trump quando quiser e seus funcionários no Departamento de Eficiência Governamental ainda estão espalhados por agências federais, implementando cortes e mudanças que ele considera adequados.
Kate - Embora pareça improvável que Musk concorra a um cargo eletivo, ele já demonstrou grande interesse por política. Acho que ele continuará tentando ampliar sua influência, não só nos EUA, mas também junto a partidos de direita na Alemanha, Argentina, Itália e outros países. Sua fortuna permite que ele seja enormemente influente sem precisar ocupar um cargo - podendo opinar e influenciar a política sem o incômodo de uma campanha.
MargeM - Como as redes sociais deveriam lidar com a disseminação de fake news e conteúdo ofensivo? É algo que pode ser moderado de forma realista?
Kate - A moderação de conteúdo é um desafio constante para as redes sociais desde os seus primórdios. As empresas foram forçadas a ajustar o nível de permissão para diferentes tipos de conteúdo, de acordo com o feedback dos usuários e as exigências de governos do mundo todo. Embora esses sistemas de moderação nunca sejam perfeitos, as redes sociais avançaram um pouco no combate à desinformação após a eleição presidencial dos EUA em 2016, quando descobriram que trolls russos tentaram manipular o sentimento dos eleitores espalhando fake news online.
Infelizmente, agora vemos as empresas começando a recuar do trabalho que fizeram no período pós-2016. Lideradas pelo X, elas acabaram com programas de checagem de fatos, reduziram os esforços de moderação de conteúdo e abandonaram muitos dos avanços conquistados. Essas decisões parecem parte de um esforço para agradar a Donald Trump, que havia sido banido da maioria das grandes redes sociais em 2021.
Quando as empresas abrem mão das responsabilidades que vêm com a administração de grandes redes sociais, isso significa que os usuários precisam ser muito mais céticos em relação ao conteúdo que veem online. Também abre espaço para algumas das redes alternativas que discutimos antes - se o Bluesky ou outro concorrente conseguir oferecer uma plataforma segura para o diálogo aberto, isso pode atrair usuários de outros sites.
“Você pensaria que todo mundo está chegando a conclusões de forma independente - mas não. É um pequeno grupo de pessoas que conversam entre si e transitam entre a política, o jornalismo e algumas indústrias.”
As aspas são de Thomas Chatterton Williams, escritor e professor, neste ótimo artigo que investiga como gente poderosa do Vale do Silício e de outras indústrias está influenciando a opinião pública a partir de conversas em grupos fechados no WhatsApp e no Signal.
“Como a Ticketmaster engoliu o setor de entretenimento ao vivo”.
Este acima é o título deste incisivo artigo tenta entender como a Ticketmaster tornou-se essa gigante responsável por 70% da venda de ingressos de shows no mundo.
Na prática, esse quase monopólio gera aumento de preços e um poder que prejudica artistas médios e pequenos e, claro, o público. Um pouco de contexto:
“Nos últimos 40 anos, a empresa enfrentou acusações de preços predatórios, taxas enganosas, contratos restritivos, falhas técnicas, supressão ou conluio com concorrentes e, de modo geral, abuso de seu poder monopolista. Ela foi alvo de inúmeras audiências, investigações, ações coletivas e multas milionárias. (...) Michael Rapino, o CEO da Live Nation, é, portanto, tanto a figura mais poderosa da música ao vivo quanto a mais controversa”.
Outros artigos sobre o tema:
O caso de monopólio da Ticketmaster: uma lição mexicana.
A verdade nua e crua por trás do processo contra a Ticketmaster.
Como a dona da Ticketmaster domina a cena musical ao vivo do Reino Unido.
3 séries para ver agora
Uma sucessão de erros e de falhas de avaliação que levam a acidentes ou desastres que poderiam ter sido evitados. É mais ou menos essa a conclusão que a gente chega ao assistir a três boas e oportunas séries que chegaram ao streaming.
Caso Jean Charles: Um Brasileiro Morto por Engano. Natural de Minas Gerais, Jean Charles de Menezes entrou em um trem do metrô na região sul de Londres e foi morto ao ser baleado por policiais. Era julho de 2005, e Jean foi confundido com um terrorista (em 7 de julho, a cidade foi palco de um atentado que matou 52 pessoas). Em quatro episódios, a minissérie reencena com detalhes como os desastrosos erros das autoridades britânicas após os atentados de 7 de julho levaram à morte do brasileiro (interpretado por Edison Alcaide).
Lockerbie: Em Busca da Verdade. O caso citado acima foi o maior atentado terrorista ocorrido no Reino Unido desde a bomba que, em 1988, derrubou um avião que sobrevoava a cidade de Lockerbie, matando 270 pessoas. É exatamente essa história que é contada nesta série que tem Colin Firth no papel de Jim Swire, um médico que é pai de uma jovem que morre no atentado e que sai em busca dos culpados pelo crime. Até hoje o caso é nebuloso: o governo britânico culpa um líbio, mas há indícios que apontam para terroristas do Irã e da Síria.
Congonhas: Tragédia Anunciada. Um avião da TAM que havia saído de Porto Alegre não consegue frear após pousar em Congonhas e bate em um edifício ao lado do aeroporto. Morreram 199 pessoas neste que é o maior acidente aéreo do Brasil, ocorrido em 17 de julho de 2007. Diferentemente das duas acima, esta minissérie é documental, apoiando-se em entrevistas com familiares das vítimas e gente envolvida no caso.
As imagens desta MargeM estão entre as finalistas do New Vision Awards, do LensCulture.
→ As 20 melhores músicas da Lorde. (Se o ranking fosse meu, Buzzcut Season estaria mais perto do topo.)
→ Uma das galinhas dos ovos de ouro da Apple é a Apple Store e a taxa de 30% que a companhia cobra por qualquer transação feita em apps de terceiros. A justiça quer acabar com isso.
→ Uma história que envolve sequestro, Lamborghinis, festas em Los Angeles e Miami, o filho de um VP da Morgan Stanley, o game Minecraft e o roubo de US$ 240 milhões em criptomoedas.
→ “‘Não conhecia rúcula, salsa, couve’: Como a agricultura mudou vidas em um deserto alimentar do Brasil.”
→ O perfeccionismo é um dos principais inimigos da saúde mental no ambiente do trabalho.
→ Minority Report na vida real: Nova York quer instalar câmeras do metrô habilitadas por IA para prevenir crimes.
→ Comece a fazer um ritual esquisito. Passe mais tempo com gente jovem. Monte um “kit de primeiros socorros emocionais”. São alguns conselhos para ser mais feliz.
→ HyperText TV. (Um dos sites mais legais que vi recentemente.)
→ Door.link. (“Uma seleção musical cuidadosamente escolhida, cultivada ao longo do tempo, sem algoritmos, feita para ouvir e dançar.”)
→ Music for Computers. (“Se você ama, odeia ou teme a música feita por IA é irrelevante. A era da música feita apenas por humanos acabou. A Máquina agora cria e ouve. Music For Computers é uma comunidade que lança músicas e ferramentas - feitas com IA, para IA - para explorar o caminho para a comunhão das Máquinas.”)
Ótima edição!