Sobre curadoria de festivais de música
Responsáveis pela escolha de artistas que estarão no C6 Fest e no Popload falam sobre como funciona a montagem de um evento desse tipo. E temos a Beth Gibbons ao vivo e intimista
Chegou a MargeM #260. Recheadíssima de assuntos: música; a dinâmica de relação entre criadores e os donos do poder; a influência de medicamentos como Ozempic no ambiente dos restaurantes. E muito mais, claro.
Newsletter que nasceu em 2019, a MargeM está se transformando em uma plataforma de conteúdo. Além do Instagram, estamos, por exemplo, no Spotify.
Te convido a dar uma ouvida nesta nova playlist. Tem Haim, a excelente Doechii em uma faixa do Weeknd, uma nova e ótima do Arcade Fire, um lançamento do selo DFA (LCD Soundsystem), o projeto Heal Mura (do brasileiro Murilo Faria, em remix do Renato Cohen) e ++++.
O calendário de festivais pop em São Paulo está cheio neste maio.
Entre os dias 22 e 25, o parque Ibirapuera vai receber Air, Gossip, Wilco, Pretenders, Last Dinner Party e mais um monte de gente que está na escalação do C6 Fest.
No dia 31, o mesmo Ibirapuera abrirá os portões para mais uma edição do Popload Festival, que traz nomes como Kim Gordon, St Vincent, Norah Jones e Lemon Twigs, entre outros.
São dois festivais bem particulares. Nem tão pequenos e nem tão grandes. Reúnem nomes de diversos e relevantes gêneros musicais. Tentam trazer artistas que estão ditando tendências no pop ao mesmo tempo que reverenciam bandas que construíram carreira sólida.
As atrações já anunciadas pelo Popload estarão concentradas em apenas um palco, mas esta MargeM adianta que pode rolar outro espaço, para abrigar bandas underground.
Já o C6 Fest vai distribuir suas atrações pop em três palcos diferentes, o que está gerando reclamações do público nas redes, porque alguns shows estarão encavalados (como Air e Gossip; Wilco e Nile Rodgers & Chic).
Bem, conversamos com curadores desses dois festivais para entender como são feitas as escalações dos artistas e como a parte artística é estruturada.
Curador do C6 Fest: Hermano Vianna, antropólogo e pesquisador musical
Sobre a curadoria dos artistas
“Tudo no C6 Fest é pensado para criar um ambiente onde as pessoas possam ter conforto e intimidade para esquecer o que está em volta e aproveitar intensamente a melhor música. É um festival mais íntimo e confortável como experiência, com atrações escolhidas com enorme cuidado. Nosso interesse é apresentar as mais importantes novidades dos mais diferentes estilos musicais contemporâneos, misturadas com artistas que chamamos internamente de 'profetas do som', cujas longas carreiras marcaram profundamente a maneira como ouvimos música hoje. Muitas vezes de forma surpreendente. Exemplo: na época de sua explosão, a música disco foi tratada como truque comercial; hoje sabemos que Chic era na verdade a vanguarda, fundamento de quase tudo relevante no pop atual.”
Sobre a escalação de nomes veteranos
“Queremos dar oportunidade para as novas gerações conhecerem melhor essas obras, entendendo como influenciam as novidades mais recentes. Todo mundo que gosta mesmo de música precisa ver pelo menos uma vez na vida um show, por exemplo, do Kraftwerk. Tentamos trazer de volta nomes que tocaram pela primeira vez no Brasil em festivais que tiveram nossa curadoria, como o Free Jazz. É o caso do Wilco, que vai se apresentar no C6 Fest neste ano. Seus últimos lançamentos em disco ainda apontam os rumos que a arte deve seguir no mundo.”
Sobre tendências estéticas no pop
“Neste ano, A. G. Cook vem tocar no C6 Fest. Talvez seja uma das poucas pessoas que podem dizer que criaram um novo gênero musical no século 21. O hyperpop foi desenvolvido principalmente na sua gravadora, a PC Music, fundada em 2013. Talvez não seja um gênero, mas um transgênero, trilha sonora perfeita para um mundo onde a cultura foi totalmente digitalizada, muito além do autotune. Era um fenômeno ‘marginal’, mas no ano passado ganhou enorme sucesso comercial com Charli XCX, parceira querida de A. G. Cook. Tenho certeza que vai ser cada vez mais influente.
Também prestamos muita atenção em todas as novidades do pop africano e em tudo aquilo que é agrupado sob o nome genérico de afrobeats (não confundir com o afrobeat que Fela Kuti criou no século 20). Trouxemos a Ayra Starr no ano passado. Acho que foi a primeira grande estrela do afrobeats a tocar no Brasil. Mas há uma variedade musical vibrante na música africana recente. Neste ano temos África também: o SuperJazzClub, coletivo multiartístico de Gana, com mistura excelente de soul, hip hop e muito mais.”
Curador do Popload Festival: Lúcio Ribeiro, jornalista e fundador do site Popload
Sobre a curadoria dos artistas
“A essência do festival, a alma do Popload, é a música nova, mas não necessariamente só isso, tem também artistas antigos fazendo coisas novas e relevantes. A gente já trouxe o Tame Impala quando estava nas fraldas e fizemos o primeiro show do Blondie no Brasil.
A gente não tem dinheiro infinito, não podemos fazer uma lista de desejo e sair perguntando ‘quanto você quer pra vir tocar no Brasil?’. Então temos de analisar o mercado. Claro que sempre temos alguns nomes não muito grandes que a gente quer, então sondamos se teria data, quanto seria.
Às vezes não conseguimos trazer um artista que a gente quer muito por grana de cachê ou porque não quer vir para a América Latina. Você nunca traz uma banda para fazer um show único na América do Sul, apenas no Brasil, a não ser que você tenha uma grana enorme. Então você tem que articular com outros países, Chile, Argentina, Colômbia. Não é que não é que a gente pensa num artista e trás esse artista. A gente às vezes consegue, mas muita das vezes não. Vemos o que tem disponível e vamos montando o evento. Quando o festival existe há bastante tempo, e agora que o Popload está dentro da Time 4 Fun (uma das maiores produtoras de eventos do país), que tem um leque maior de ofertas para bandas e agências gringas, a gente consegue ter uma articulação maior para ter mais nomes disponíveis.”
Sobre a escalação de nomes veteranos
“São importantes, sim. Um exemplo é a Kim Gordon. Ela era de uma banda mega-importante, o Sonic Youth. A gente sabe do perfil dela, da história, da importância do Sonic Youth. Ao mesmo tempo, ela lançou um disco maravilhoso, está fazendo shows com uma energia absurda, com uma coisa meio hip hop no meio das guitarras barulhentas. Ela é um farol para um monte de bandas novas, para a própria filha dela. É o tipo de artista que atrai bastante a gente.”
Sobre tendências estéticas no pop
“É um absurdo, né, nunca para. Às vezes estamos em uma maré meio baixa, mas ela nunca para de estar rolando no underground, em todo o tipo de estética. Eu acho muito interessante hoje em dia esse som dos anos 90, tipo Molchat Doma, da Bielorrússia, tem o Boy Harsher, de Nova York. É um som tipo Ultravox, Classix Nouveaux, uma new wave meio dark, bem Inglaterra anos 80. Sabe aquela turma de onde saiu o Depeche Mode, Cure, um lado sombrio, de fim de mundo. E quem pode falar que a gente não está vivendo tempos sombrios, né? Essa darkwave é algo muito real. Aqui em São Paulo a gente tem a banda Jovens Ateus, da que tá na Balaclava, que é uma gravadora e produtora atenta a novos sons. É um zeitgeist de um sistema geracional de onde nascem esses caras.
A gente tem ainda a cena de spoken word sendo revigorada com o Fausto Fawcett, ou mesmo com o No Porn, e aí temos uma banda bem legal como a Vera Fischer era Clubber, de Niterói, que pega sintetizador, sem guitarra, com uma pessoa falando, não cantando. E isso saiu do calor do Rio de Janeiro. Tem o emo ressurgindo bem forte na nova geração, mas de um jeito bem diferente. Agora tá rolando um revival que reformata o emo, a gente tem até uma certa dificuldade de considerar isso como emo. Shows em Minas, Rio Grande do Sul, São Paulo, com a galera curtindo, lotando as casas.
A música está muito viva, muito legal, há várias tendências estéticas. São coisas atualizadas, reconfiguradas para os dias de hoje, com as diferenças impostas pelo nosso tempo.”
Acompanhada por violino, contrabaixo e outros instrumentos, Beth Gibbons (Portishead) passou pelo Tiny Desk nesta segunda. Cantou quatro músicas em 20 minutos sublimes.
A popularização de medicamentos como Ozempic está afetando restaurantes (pelo menos como as pessoas estão se comportando nesses lugares).
“Clientes que usam medicamentos GLP-1 estão descobrindo quais tipos de restaurantes se sentem à vontade para frequentar; como deixar a comida no prato sem ofender o chef ou os companheiros de mesa; e como aproveitar ao máximo a experiência. Já aqueles que não usam esses medicamentos estão lidando com os prós e os contras de ir a restaurantes com pessoas que comem muito pouco.”
Mais:
Por que Ozempic e Wegovy podem mudar as suas comidas favoritas.
Ozempic traz efeitos colaterais, e controle médico é fundamental.
Criar conteúdo é uma coisa. Criar conteúdo crítico, que pode não agradar a marcas, celebridades e políticos, é outra coisa.
É mais difícil, trabalhoso e pode causar problemas sérios. As dinâmicas de relação e de poder penalizam sempre o lado mais fraco (o dos criadores, claro).
Os confrontos entre Índia e Paquistão nos dão mais um exemplo desse cenário.
A Meta decidiu banir um grande perfil muçulmano no Instagram, a pedido do governo da Índia. Essa conta era uma das mais acessadas fontes de informação sobre a região e tinha mais de 6 milhões de seguidores.
A ação motivou um desabafo da jornalista Taylor Lorenz (que já trabvalhou no New York Times e no Washington Post e hoje segue em carreira solo, com uma newsletter):
“Tentar pagar o aluguel todo mês significa decidir em quais histórias gastar tempo, e toda a estrutura de incentivo na internet te desestimula a desafiar o poder. É por isso que as pessoas acabam migrando para a direita!”.
Em cima desse comentário, o Nilay Patel, fundador do site de tech Verge, escreveu:
“‘Toda estrutura de incentivo na internet te desestimula a desafiar o poder’ é a principal fraqueza de toda a economia dos criadores de conteúdo, e isso foi projetado propositalmente dessa forma.”
As imagens desta edição são da fotógrafa mexicana Tania Franco Klein, que está em exibição na Photo London.
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que legal essa pequena visão dos festivais, a gente sempre acha que estão faltando mais pessoas mas dificilmente sabemos o que rola por trás né
o hermano não quis explicar a atrocidade dos horários?