Sobre não deixar as ideias envelhecerem
MargeM 174 na área. Gratidão em 2021. Como a Shein vem dominando a fast fashion. Don L e o hip hop como fonte da juventude. A série Águas do Norte. Paolo Sorrentino. E mais.
Estamos saindo deste 2021. Dá pra deixar o ano com algum sentimento de gratidão? O pior é que dá. (Eu, por exemplo, agradeço 2021 por ele não ser 2022). A Wired lista 21 razões pelas quais 2021 não foi tãããão ruim.
Já a Gama dedica uma edição à gratidão. A revista colheu depoimentos de gente agradece 2021 por algumas conquistas e vitórias. ("Todo esse momento angustiante da pandemia, de preocupação e sinônimo de encarceramento… Para mim, a pandemia e 2021 não tiveram essa conotação. Foram dois anos cheios de experiências de vida, de me tornar avô. Tudo foi sinal de esperança, de crescimento, de amor. É gratidão mesmo, e está dentro da gente, porque sabemos o quanto essa pandemia foi difícil para muitas pessoas.”)
E o psicanalista Lucas Liedke escreve: "O que chama a atenção é que o contexto das redes sociais trouxe uma nova roupagem para esse termo originalmente tão nobre e virtuoso. Se antes a gratidão era revestida por ares de sobriedade e até religiosidade, de uma hora para outra ela começou a sair da boca de celebridades bastante entusiasmadas em compartilhar os seus êxitos e glórias. No campo do espetáculo, a gratidão ganhou outra função: neutralizar a vaidade da exibição e disfarçar o que já era, lá no fundo, uma espécie de ostentação do bem-estar".
Woolfy - Shooting Stars
Música excelente, com letra esperançosa e melodia que ajuda a melhorar este final de ano.
É impossível passar dez minutos em alguma rede social e não dar de cara ou com um anúncio da Shein ou com alguém reclamando da Shein.
A empresa/plataforma chinesa é das startups fashion mais valiosas do planeta (US$ 15 bi e subindo), mas "pouco se sabe sobre ela", como afirma esta reportagem traduzida pela Folha. "A empresa tem como público alvo as mulheres jovens e adolescentes, e vende por meio de seu site e app, oferecendo uma linha de moda mais ampla do que as de seus concorrentes, e por uma fração do preço."
Foi criada em 2008, mas chegou ao Brasil em 2020. "A diferença dessa marca que já está em 220 países –mas, curiosamente, não em seu próprio país de origem– é conseguir traduzir com velocidade o que a juventude, especialmente a geração Z, quer vestir", afirma a Elle Brasil. "Para isso, um time de 800 funcionários do núcleo de criação se vale de hashtags e análises em plataformas como TikTok e Instagram para entender a crista da onda em diferentes países e oferecer opções, desde moda adulta e infantil até itens de beleza, decoração e pet."
Preço baixo, atenção ao que está virando tendência e rapidez na produção são os segredos da marca. "Enquanto o Inditex, o maior grupo de moda do planeta, controlador da Zara, diz levar modelos novos da prancheta às prateleiras de suas lojas em três semanas, a Shein é capaz de oferecer produtos novos em prazo de cinco a sete dias de sua criação".
E aí chegamos a esta excelente reportagem do Rest of World (aliás, um exemplo de site que faz uma cobertura ampla, crítica e nada óbvia), que mostra em detalhes como a Shein, em pouquíssimo tempo, virou não apenas uma gigante do fast fashion como uma ameaça à Amazon. Os problemas da empresa estão todos aqui: o mistério a respeito de quem efetivamente manda na companhia; as roupas ultra-baratas que são descartadas depois de pouco uso; as acusações de copiar peças de outras marcas e, ainda, as péssimas condições de trabalho em algumas fábricas.
O modelo de negócio é descrito como "agressivo". "As comparações com gigantes da fast fashion, como a H&M, são equivocadas: é mais como a Amazon, operando um amplo marketplace que reúne cerca de 6 mil fábricas de roupas chinesas. Ela os une a um software de gerenciamento interno que coleta feedback quase instantâneo sobre quais itens estão indo bem ou mal, permitindo que a Shein solicite um novo estoque virtualmente sob demanda."
Mais: "Depois de assistir à rápida ascensão da empresa, os grandes gigantes da tecnologia chinesa e as novas startups estão correndo para imitá-la. A competição inclui ByteDance (dona do TikTok) e Alibaba, que estão trabalhando em plataformas de e-commerce visando o mesmo grupo demográfico internacional que a Shein".
"Muita gente chega aqui por causa dos influenciadores".
É o que diz Amanda Rocha, responsável pelo marketing de um prédio residencial de São Paulo que fez parcerias com influenciadores para atrair novos moradores.
Conta a reportagem do UOL: "Os termos da parceria variam de acordo com o perfil de cada produtor de conteúdo, mas envolvem um desconto no valor total do aluguel em troca de conteúdo ou de os influenciadores trazerem eventos de outras marcas para o local. Ou seja, a famosa permuta."
Esta foto, Boiler Room Peckham, de Rémy Bourdeau, e a imagem que abre esta newsletter são parte da série We, the Afropeans, que tem a curadoria de Johny Pitts.
Crianças e adolescentes estão, segundo o New York Times, trocando as quadras de basquete e campos de futebol pelos e-sports.
"Muitas crianças gostam de esportes virtuais e físicos. Mas está claro que o surgimento dos e-sports, para os jovens, veio às custas dos esportes tradicionais, com implicações para seu futuro e para a forma como as crianças crescem."
(A reportagem é legal e tal, mas me parece que reflete menos uma tendência de estilo de vida a médio-longo prazo do que um comportamento pontual que era até que esperado em um mundo tomado por uma pandemia e com cada vez mais opções de entretenimento dentro de casa.)
Mas não dá para ignorar o crescimento absurdo dos e-sports. Cerca de 2,4 bilhões de pessoas afirmam ser gamers, e a indústria do e-sports já tem receita acima de US$ 1 bi. (Nos EUA, 87% dos adolescentes são donos de iPhone.)
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E lembrei de uma reportagem que apareceu aqui na MargeM em novembro que revela como muitos moradores de favelas brasileiras estão se dando bem nos e-sports.
"O Hip Hop é uma fonte da juventude. Olha pro Nas. É sobre não deixar envelhecer as ideias. Tem aquela frase falsa de que não existe comunista velho, ou aqueles jargões de 'isso é coisa de DCE', ter a ambição de um mundo novo. Tento quebrar esses paradigmas e me manter o fresh do fresh do bagulho."
O grande rapper cearense Don L, que acaba de lançar Roteiro para Ainouz Vol. 2, em entrevista ao Monkeybuzz.
Coisas legais por aí
Águas do Norte. Não tem nada na televisão parecido com esta minissérie baseada neste livro. No século 19, um navio baleeiro sai da Inglaterra em direção ao mar do Norte. Na tripulação, estão um médico que teve um passado meio obscuro na Índia e um arpoador violento e imoral. Um negócio brutal, em que há muitos vilões e nenhum mocinho.
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Maré Alta. Dona de uma grande e confortável casa de praia em que está havendo uma reforma no quintal, uma mulher passa a noite com o responsável pela obra. Dois trabalhadores descobrem e a relação deles com a mulher muda completamente. Filme argentino nada previsível e meio perturbador.
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A Mão de Deus. Adoro o cinema exagerado, engraçado, às vezes irônico, às vezes sentimental de Paolo Sorrentino. Este é meio autobiográfico e mosra as relações familiares de um garoto que tem o sonho de ser diretor de filmes. E, como muitos napolitanos, ele é apaixonado por Maradona.
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Como Escrever Bem. Se você tem uns 40 anos e lê este livro pela primeira vez, inevitavelmente vai pensar: "deveria ter lido há 20 anos". Saiu nova edição há pouco.
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Quincas Borba. Edição EXCEPCIONAL em capa dura com apresentação do Emicida, posfácio do Jeferson Tenório e ilustrações do grande Samuel de Saboia.
Skeleten - Pogo (cover do Digitalism)
Lá em 2007, o Digitalism lançava Pogo, faixa que tocou sem parar em pistas dance-rock-new rave. Esta versão é bem menos eufórica, bem mais elegante.
Um grande perfil do Jonny Greenwood, guitarrista do Radiohead que é responsável por apenas três das melhores trilhas do ano: as de Licorice Pizza, Ataque dos Cães e Spencer.
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Em vídeo: Billie Eilish e a mesma entrevista em cinco anos diferentes.
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Três falsas crenças sobre a escola pública:
- "escola pública no Brasil não tem jeito";
- "melhorar a educação pública demora demais"
- "a percepção da elite de que esse problema não a atinge".
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O futuro de um universo virtual (ou metaverso) não está em criar um mundo novo, mas em transformar digitalmente a nossa realidade.
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A "guerra" pela Wikipedia chinesa “é um aviso para a internet aberta”. "Como um grupo de usuários pró-China 'se infiltrou' na Wikipedia, lançou uma nova enciclopédia e expôs ameaças crescentes à missão de conhecimento livre da Wikipedia."
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Sobre bell hooks, morte há pouco: "A pioneira pesquisadora feminista escreveu sobre mulheres, raça, amor, cura, cultura pop e muito mais, sempre mantendo as mulheres negras no centro".
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Por que não devemos acabar com o tédio.
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Como melhorar sessões de terapia? De acordo com pesquisadores, por meio da inteligência artificial. ("A ideia é usar o processamento de linguagem natural (PNL) para identificar quais partes de uma conversa entre terapeuta e cliente –quais tipos de expressão e de troca– parecem ser mais eficazes no tratamento de diferentes distúrbios. O objetivo é dar aos terapeutas uma visão melhor do que eles fazem, ajudando terapeutas experientes a manter um alto padrão de atendimento e ajudando os iniciantes a melhorar".)
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"Pessoas que realmente gostam de seus empregos: o que vocês fazem?"
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Nunca tinha lido um obituário como este.