Stay True: livro lindo já é um dos grandes lançamentos do ano
Em suas memórias, jornalista Hua Hsu fala de amizade, luto e juventude entrelaçando referências que vão da música pop à sociologia
Esta MargeM, a de número 252, chega um pouco diferente das outras. Ela é, quase inteira, sobre um excelente livro que acaba de chegar ao país. São menos de 200 páginas, que li em duas sentadas. Emocionante, são memórias sobre amizade e luto desenroladas em meio a referências a Nirvana, Pearl Jam, Derrida, Marcel Mauss e filmes de kung-fu, tendo como pano de fundo a Califórnia dos anos 1990.
Espero que goste!
Como uma amizade que durou apenas três anos pode deixar marcas profundas em alguém? Americano de ascendência taiwanesa, Hua Hsu colocou em livro as lembranças do breve, mas inesquecível período em que conviveu com o amigo Ken.
Hsu e Ken estudaram na Universidade da Califórnia em Berkeley nos anos 1990. Mas, antes de se formarem, Ken foi morto em um assalto.
Mais de duas décadas depois, Hsu, hoje professor de literatura e crítico da New Yorker, publica Stay True: Relato de uma Amizade, livro de memórias que tem como ponto de partida a relação entre os dois amigos.
Com afetuosa sensibilidade e oportuno bom humor, Hsu lembra que, quando conheceu Ken, o “odiou”. Porque Ken era certinho demais, feliz demais, integrado demais à cultura americana. Era quase como opostos.
Ken gostava de Pearl Jam e de Dave Matthews Band e vestia roupas da Abercrombie & Fitch. Hsu detestava Pearl Jam e Dave Matthews Band, seu negócio era ouvir Nirvana e suas roupas eram pinçadas em brechós.
Mas os dois acabaram se conectando. E formaram uma amizade intensa, sincera e divertida.
Stay True é não apenas um livro sobre amizade, mas também sobre luto, sobre virar adulto, sobre pertencimento. Hsu escreve bem demais: de forma clara, direta e elegante, entrelaçando referências que vão da música pop à filosofia, do cinema à sociologia.
A seguir, trechos da entrevista que fiz com ele e algumas opiniões sobre Stay True.
Folha de S.Paulo: “Obra propõe um mergulho no passado sem pesar a mão na melancolia ou no sentimentalismo”;
The Guardian: “Como história, Stay True é impossível de largar, um livro perfeito de 193 páginas – eu comi um sanduíche em pé na pia só para poder terminá-lo”;
The New York Times: “Hsu é um escritor sutil, não exibido; a alegria de Stay True surge de forma inesperada, e as piadas irônicas são inseridas de maneira fluida ao longo do texto”;
Pitchfork: “Stay True é tão comovente quanto uma grande canção pop”.
Sobre o livro discutir não apenas a amizade e a vida de um imigrante nos EUA, mas também temas como o luto, a relação entre um adolescente e seus pais e a transformação de um jovem em adulto.
“Acho que você está certo — é um livro sobre todas essas coisas, mesmo que isso não tenha sido a intenção inicial. Comecei pensando que estava apenas tentando entender um momento específico da minha vida. Mas, enquanto escrevia, percebi que revisitar esse momento significava também lidar com como eu havia sido moldado como amigo, filho, criança de imigrantes e jovem vivendo nos EUA nos anos 1990. Todas as forças, dinâmicas e contextos que convergem no presente.
Então, não comecei pensando nos temas que queria abordar. Mas percebi, ao terminar, que não dá para entender os sonhos que você tem como adolescente sem considerar os sonhos de seus pais. Não dá para entender amigos e amizades sem compreender a cultura ao seu redor e o que significa ser ‘jovem’ naquele momento.”
Sobre a decisão de publicar o livro agora, mais de duas décadas depois dos acontecimentos narrados.
“Coisas que comecei a escrever no final dos anos 1990, na sombra imediata da morte do meu amigo, acabaram neste livro. Eu achava que meus diários, escritos quando eu tinha 21 anos, se tornariam um livro? Não. Mas sabia que continuaria escrevendo até entender algo sobre aquela época da minha vida, aquela perda e como isso me mudou.
Então, nunca pensei nisso em termos de timing. Aconteceu que, aos meus quarenta e poucos anos, tive uma clareza sobre o passado que me permitiu terminar algumas daquelas frases que comecei a escrever quando era mais jovem.”
Por que a amizade, diferentemente de relacionamentos amorosos, não é um tema tão explorado na literatura?
“Não sei ao certo. Acho que a amizade parece tão natural que se mistura ao pano de fundo da vida, é parte do ritmo do dia a dia. Nós a tomamos como algo que está lá, que é garantido, que é certo. Enquanto isso, os relacionamentos românticos costumam ser apresentados como uma busca (ou conquista) com altos e baixos. O drama de um coração partido rende uma música melhor do que o simples fato de alguém estar lá por nós.”
Será que a música ainda é, hoje, um marcador de identidade como era nos anos 80 ou 90?
“Tenho certeza de que sim. Mas cada geração chega a esses marcadores de forma diferente, os interpreta de maneira diferente, ouve de outra forma. E isso é algo bom. Talvez a principal diferença seja que, nos anos 1990, ficávamos muito mais entediados. A internet era bastante limitada, então precisávamos nos virar com menos acesso, assim como aqueles antes de nós. Quando você tem acesso à história da música gravada basicamente de graça, isso muda sua relação com a arte, com a criatividade de outras pessoas e até com o seu próprio desespero.”
Quais são as melhores bandas que tem ouvido? Que tipo de música tem chamado sua atenção?
“Ainda ouço muitas músicas que eu gostava na adolescência. Escrever o livro me fez sentir que estava tudo bem voltar a algumas coisas que eu havia deixado de lado quando estava de luto e não queria ser lembrado do passado. Também ouço muitas músicas novas, mas é algo mais aleatório. Eu amo NewJeans, gosto muito das coisas que meu amigo Matt recomenda em sua newsletter, Deep Voices.”
Poderia recomendar três livros publicados neste século que você acha que todos deveriam ler?
How to Wreck a Nice Beach, de Dave Tompkins;
Quando Deixamos de Entender o Mundo, de Benjamin Labatut;
I Hotel, de Karen Tei Yamashita.
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→ Wikitok. (“Uma interface no estilo TikTok para explorar artigos aleatórios da Wikipédia.”)
Me apaixonei perdidamente por esse livro. Stay True já é uma das leituras da minha vida! ❤️📚
Faz tempo que eu quero ler esse livro. Uma versão em português é uma ótima desculpa para parar de dar desculpas ahahaha