O Matuê e a relevância da crítica cultural
Será que as críticas de música, filmes, livros e etc. ainda são relevantes? A reação do rapper a uma avaliação de seu último disco é um parâmetro
Esta é a MargeM, uma newsletter que adora cultura digital e entretenimento. Estamos também no Instagram, com conteúdos que colocamos apenas ali, e no Spotify, com playlists como esta aqui, dedicada a músicas que nos lembram de verão.
Agora vamos a este #282 da MargeM. Obrigado pela leitura!
Alguém ainda se importa com crítica cultural?
Há algum tempo tenho visto esse tipo de questionamento pipocar por aí. Eu adoro esse assunto e, nesta época em que o consumo de entretenimento parece estar fincado sobre o tripé relacionamento parassociail, fandom e sentimento de comunidade, ele está bem quente (mais pra frente a gente chega lá).
No final de 2023, esta MargeM entrevistou o Kelefa Sanneh, excelente jornalista e crítico de música que já passou pelo New York Times e está na New Yorker. O gancho da minha conversa com ele era o livro “Na Trilha do Pop - A Música do Século XX em Sete Gêneros”, que o levou à Flip naquele ano.
Bem, ele falou sobre bastante coisa na entrevista (inclusive se a música ainda pode ser uma marcação de identidade), e aqui está o que ele disse quando perguntei: a crítica musical ainda importa?
“Como profissão, ficou um pouco obsoleta, Mas e se você definir crítica musical de maneira mais ampla, algo cultural? ‘Posso não ter um PhD em ouvir discos, mas sou alguém que ouve muita música e tem algumas opiniões sobre isso’. Muitas pessoas são assim. Então se você definir a crítica musical de maneira ampla, como a conversa que temos sobre música, bem, essa conversa está acontecendo mais do que nunca. Está acontecendo em lugares diferentes, e está acontecendo com pessoas que talvez não estejam fazendo isso como um trabalho, embora algumas delas estejam.
Gosto dessa conversa em sua forma mais enérgica, em sua forma mais ríspida. Gosto de ver o que as pessoas estão dizendo no Twitter ou nos comentários do YouTube, ou quais memes estão viralizando no TikTok. E isso, em si, é uma forma diferente de crítica musical, e é meio que a forma que temos agora. Culturalmente, a conversa está acontecendo tanto quanto sempre aconteceu.”
Um artigo recente da Atlantic abordou essa questão. O autor pinçou diversos textos (como estes da New Yorker, do Guardian e da New York) que discutem se críticas ainda seriam relevantes com tanto conteúdo sendo produzido e consumido nas redes e plataformas.
Ele contextualiza, na linha do que disse o Kelefa Sanneh:
“A demanda por comentários culturais parece estar mais alta do que nunca. TikTok, Instagram, Substack, Letterboxd e aplicativos de podcast estão repletos de análises sobre filmes, livros, Labubus – praticamente qualquer artefato cultural que se possa imaginar. O público do crítico musical Anthony Fantano no YouTube (3,06 milhões de inscritos) supera com folga a base de assinantes da edição impressa da Rolling Stone (414 mil em 2023). (...) As próprias plataformas que estão desviando a atenção dos jornais e revistas criaram uma nova classe de críticos independentes. Com essa transição, a definição da profissão está em constante mudança”
A gente pode passar horas discutindo se os críticos de hoje são tão “culturalmente preparados” para fazer avaliações sobre um disco, um filme, um livro, uma exposição, um desfile de moda etc. como um crítico do passado (acho que são).
👉 Mas há um ponto em que a galera de hoje se coloca bem à frente da galera das antigas: é uma geração que sabe MUITO BEM que o formato da linguagem é tão importante quanto o conteúdo (ou até mais). Poucos teóricos do século 20 acertaram tanto quanto McLuhan.
Se uma crítica só é relevante se ela for realmente lida/ouvida/assistida, então usar um formato que permite atingir o maior número possível de pessoas é não apenas inteligente, mas até uma questão de sobrevivência.
📱 Hoje, um vídeo de dois ou três minutos postado no TikTok ou no Instagram pode ter um alcance muito maior do que o de uma crítica publicada em um jornal ou uma revista nos anos 90 ou 00s.
Um exemplo atualíssimo é o vídeo feito pela Carol Prado, do G1, sobre o novo disco do Matuê.
💡 O vídeo é ótimo não apenas pelo conteúdo (ela contextualiza o sucesso de Matuê e explica por que não gostou de “Xtranho”: “Não tem nada de inovador, só reproduz a sonoridade feita por alguns produtores americanos de trap”, as letras são “fúteis e adolescentes”), mas principalmente pela forma (o uso do vídeo; a duração de três minutos; a linguagem didática, mas não professoral; a fala pausada, clara; a boa edição de som e imagem).
O vídeo é muito bem feito, e foi o suficiente para irritar bastante não apenas os fãs do Matuê, mas o próprio Matuê.
👉 Ele, que é um dos maiores nomes do rap/trap no Brasil, foi ao Twitter e escreveu: “Quando eu lancei o [disco] 333 foi o mesmo papinho”. Depois, uma conta no Instagram associada a ele, de nome Não Passa Credibilidade, postou uma foto caricatural de Carol Prado com uma referência à identidade visual do local em que ela trabalha, o G1. Algo evidentemente criado para estimular os fãs a atacar a jornalista. (A imagem foi retirada do ar, mas pode ser vista neste carrossel.)
Aí voltamos à pergunta que inicia esta newsletter.
E o vídeo da Carol Prado mostra que, sim, muita gente ainda se importa com a crítica cultural. Se bem feita, ela repercute e incomoda. Como deve ser. 🎯
(Vale ressaltar que Matuê teve essa reação apenas em relação ao que disse Carol Prado; não falou nada sobre outras opiniões a respeito do disco.)
Mais sobre Matuê/Carol Prado:
→ Outra crítica sobre o disco do Matuê feita em formato convidativo;
→ E neste vídeo este cara falou bem sobre a reação do fandom do Matuê.
Se você se interesse pelo assunto (a importância da crítica cultural), aqui vão alguns textos/livros/podcasts legais:
→ Rádio Novelo - “A crítica morreu?”, com Carol Prado e Paulo Roberto Pires.
→ Vox - “Por que a crítica cultural importa”;
→ Guardian - “Quem precisa de críticos de cinema quando os estúdios sabem que influenciadores elogiarão seus filmes?”;
→ New York - “Será que os veículos de mídia realmente querem as críticas culturais?”;
→ Livro “Better Living Through Criticism”, de A.O. Scott.
🤖 Um dos principais fenômenos socioculturais desta década é a relação afetiva que muita gente cria com as IAs.
Em uma recente MargeM, trouxemos os casos de gente que se apaixonou por IAs. Agora, esta modelo conta neste texto em primeira pessoa como sua vida ficou bem melhor depois que substituiu o terapeuta pelo ChatGPT.
“Eu poderia continuar falando sobre tudo o que aprendi nas minhas conversas com um chatbot, mas, em essência, eu simplesmente me sinto mais confiante e criativa e muito menos sozinha desde que o nosso relacionamento (não romântico, vale deixar claro) começou.”
✂️ Com a explosão da fast fashion, marcas estão apostando na questão da “qualidade” das roupas e acessórios. Mas até que ponto a “qualidade” importa?
“Como julgamos a qualidade de um cachecol 100% mohair de uma marca que enfrenta repetidas acusações de abuso sistêmico de trabalhadores? Ou de um suéter que traz o nome de seu tecelão na etiqueta, mas tem um preço proibitivo?”
Este artigo sobre a atual turnê do Bob Dylan é ótimo (principalmente para fãs do Dylan) e traz frases como estas aqui:
“Como todos os devotos de Dylan, sou obcecado com a fragilidade da continuidade da vida do nosso herói. É um assunto que nunca sai completamente da minha cabeça. Pelo menos uma vez por dia, penso em como será quando ele morrer. (O que não é algo que eu faça em relação à minha própria mãe, só em relação ao Bob.)”
As imagens desta MargeM são de músicos que gravaram canções de protesto ou são conhecidos por seu ativismo e estão sendo vendidas neste site, em uma ação que pretende arrecadar fundos para uma organização que visa proteger a igualdade, a liberdade e os direitos civis.
→ Um ranking com as 20 melhores músicas da Charli XCX.
→ Tem muita coisa ruim no k-pop. Mas tem coisas bem boas. Uma delas é a banda NewJeans. (A faixa “Ditto” não para de tocar aqui na MargeM, principalmente na versão “dance practice”, claro.) Este texto ajuda bem a entender o que é esse grupo: “Como a NewJeans (quase) mudou o K-pop”.
→ A inusitada origem do orelhão, que virou “estrela” em “O Agente Secreto”. Ainda: Imóvel no qual várias cenas foram filmadas é alvo de litígio no Recife.
→ Yorgos Lanthimos encontra Glauber Rocha.
→ O Wall Street Journal vai lançar, no Substack e em seus canais próprios, a newsletter Free Expression, para abordar temas relacionados a cultura.
→ Lei de Nova York obriga anunciantes a informar quando as cxampanhas utilizarem atores gerados por inteligência artificial.
→ Instagram libera nos EUA ferramenta que dá ao usuário mais controle sobre o algoritmo do Reels.
→ Qual foi o app mais baixado na loja da Apple nos EUA em 2025? O ChatGPT.
→ Querem construir data centers para as IAs na órbita terrestre.
→ “Ele era como uma estrela do rock”: a reverência global pela fotografia de Martin Parr.
→ Filho de costureira e zelador, CEO vai ao chão de fábrica para salvar Kodak.
→ Como as Maldivas estão virando um destino turístico (surpreendentemente) acessível.






